INVENÇÕES QUE ACONTECERAM
Bernardo Kucinski volta a discutir ditadura militar em livro que mescla ficção e realidade.
A renovação nem sempre vem dos mais jovens. Na literatura brasileira, Bernardo Kucinski é o melhor exemplo disso. Iniciou sua carreira em 2011, aos 74 anos, e desde então segue tocando em temas sensíveis da história brasileira com recursos narrativos instigantes.
OS VISITANTES, novela de Kucinski que acaba de chegar às livrarias, ajuda a consolidar o nome do escritor no atual cenário literário do país. No livro, o autor retoma a mistura entre ficção e realidade que marcou sua estreia em romance, K. – RELATO DE UMA BUSCA, no qual narra a procura de um pai pela filha desaparecida no regime militar – a irmã mais jovem de Kucinski, Ana Rosa, também desapareceu durante a ditadura.
A repercussão de K., que esgotou rapidamente sua primeira edição e recebeu menção honrosa no prêmio Portugal Telecom de 2012, é o ponto de partida de OS VISITANTES. Em primeira pessoa, o narrador conta como foi sendo visitado por amigos e estranhos, todos com reparos à história contada por K no livro anterior. Na realidade, as visitas não ocorreram dessa forma, mas os encontros ficcionais resumem os principais debates suscitados pelos leitores – “Tudo aqui é invenção, mas quase tudo aconteceu”, é a frase de abertura do livro de Kucinski.
Na narrativa, o autor rebate algumas acusações, mas também tem importantes momentos de autocrítica. Entre as discussões que emergem, a estetização da violência é rechaçada pelo narrador: “Tinha que ser como um vômito, mas você preferiu escrever um livro bonito”, critica uma amiga da jovem desaparecida política. O narrador se defende afirmando que cada capítulo fora escrito como “um desafogo”, sem maiores planejamentos.
Em outro momento da narrativa, concorda que expôs desnecessariamente um militante que delatou companheiros de luta (“Quem é você para me julgar?! Você nunca foi torturado, nem preso foi”, acusa o personagem).
OS VISITANTES é uma novela que demonstra as principais dificuldades em debater o regime pós-1964 e levanta questões éticas sobre fazer ficção a partir de personagens e fatos reais. Apesar de poder ser lida de maneira independente, a obra também é capaz de ser um bom estímulo para a leitura (ou releitura) de K. – que em agosto ganhou uma nova edição, desta vez pela Companhia das Letras (a mesma de OS VISITANTES), depois de passar por duas casas editoriais – a engajada Expressão Popular e a agora fechada Cosac Naify.
Fonte: Zero Hora/Mundo Livro/Alexandre Lucchese (alexandre.lucchese@zerohora.com.br) em 22 de julho de 2016.