O Monstro entre os vazios- resenha do livro O monstro e seus vazios de Wellington Souza
Imagine uma caixa cheia de raiva, medo, frustração e desejos sexuais fluindo num intenso fluxo de consciência de um sujeito fragmentado que se perde em pensamentos onde a poesia flui convidando o leitor a fazer escolhas entre caminhos sem volta que se fragmentarão nos abismos de seus próprios pensamentos.
Assim é O Monstro e seus vazios de Wellington Souza. O eu lírico convida a um jogo marcado por escolhas repletas de fluxo de consciência, que mostram por dentro uma pessoa fruto de uma época marcada pela fragmentação do sujeito. É a impotência do indivíduo que é somente mais um no meio do imenso fluxo de pessoas dos grandes centros urbanos contemporâneos e que tenta sobreviver em um mundo cujos excessos de informações, imposição de valores, culto a padrões fabricados por uma espécie de indústria cultural, o sufocam.
O Monstro é tudo isso, ou seja, o próprio eu lírico. Esse homem e monstro luta contra suas angústias na solidão do próprio quarto, que é um símbolo para seu próprio subconsciente e lá estão às forças antagônicas que o devoram e de onde sairá toda a obra. O conflito está ali, naquele laboratório obscuro da mente, de pensamentos que se materializam e se consolidam em versos.
Semelhante ao Memórias do Subsolo de Dostoievski, o eu lírico constrói todo o seu caminho de angústia, paixões e ansiedades se isolando dentro de si, formando imagens fotográficas de um lirismo melancólico que nos invadem os sentidos, tornando-se palpáveis em nossas mentes. Com isso, sentimos o movimento e o cheiro do cigarro, palavra que aparece constantemente na obra e certifica, entre uma tragada e outra, as reflexões do eu lírico, sobre sua própria vida e a sociedade que o cerca, assim como o narrador autor de Dostoiévski, na solidão de seu quarto, embora sejam épocas e realidades distintas.
Nos versos “o cigarro/ me enche o peito/ sacia/ metáfora para o amor” além da construção da imagem, o cigarro serve como fonte de estímulo para que o eu lírico consiga formular sua reflexão final, e nos versos seguintes usa a guimba como caneta e conseguimos imaginar o movimento de escrita que vai se configurando em “resta essa guimba/ escrevendo versos secretos/ acariciando seus cabelos/ com a televisão muda/ e atento aos aviões e automóveis/ que tem a coragem/ de romper”. O cigarro acaba servindo de estímulo e de instrumento para o eu lírico construir os versos e confidenciar o que sente ao leitor, desejos de amor realizados na solidão de seu quarto com a televisão ligada, formando uma fotografia em nossa mente.
No meio de tudo isso ainda há uma elaboração estética que privilegia a criação de espaços vazios entre os versos, e que podem marcar o próprio ritmo da leitura no lugar da vírgula, representando as pausas que dão o sentido expressivo e melancólico. Ao mesmo tempo, esses espaços possibilitam escolhas ao leitor, que pode reconstruir o trajeto feito pelo eu lírico naquele caminho de frases que se bifurcam.
Somos, dessa forma, chamados a reconstruir todo um pensamento carregado de lirismo. É a marca do silêncio nas páginas, e através delas somos convidados a construir todo o ritmo para chegar ao entendimento desses desabafos líricos repletos de imagens, como se fôssemos testemunhas de tudo o que lá se passa, cujo final reverbera angústias e expressa a ideia de que tudo vai continuar do jeito que está. Tudo o que sobra é a solidão e as imagens líricas que se cristalizaram dos pensamentos, ao lado do cigarro aceso.
Referências bibliográficas
SOUZA, Wellington. O monstro e seus vazios. São Paulo: Benfazeja, 2015.
FIÓDOR, Dostoiévski. Memórias do subsolo. Tradução Boris Schnaiderman. São Paulo: Ed. 34, 2000.
Nascido em Taboão da Serra - SP, Daniel Tomaz Wachowicz é formado em Letras e é professor de português e inglês, tendo feito diversos cursos de produção literária. Em 2014 fez o lançamento de seu primeiro livro de poesias “Convite ao abismo”, pela Multifoco.