SUA MAJESTADE, A ENTREVISTA
ENTRE ASPAS 2 – (L&PM Editores, 480 páginas), do consagrado e experiente jornalista porto-alegrense Fernando Eichenberg, é, acima de tudo, uma grande declaração de amor à arte de entrevistar, uma das tarefas mais vibrantes do jornalismo em todos os tempos.
Eichenberg graduou-se em História e Jornalismo pela UFRGS e foi colunista do jornal Zero Hora. Em 1997, mudou-se para Paris, onde trabalhou como correspondente internacional para diversos veículos, entre os quais o jornal Folha de S. Paulo e o canal de tevê GNT. De 2010 a 2012, foi correspondente do jornal O Globo em Washington. Voltou a Paris. Escreveu ENTRE ASPAS 1 (Ed. Globo, 2006 e L&PM Pocket 2016) e é coautor de VIAGEM (Artes e Ofícios, 2001).
Um bom entrevistador pesquisa vida e obra do entrevistado, se prepara bem, faz as perguntas adequadas, administra as pausas e os silêncios, deixa o entrevistado pensar que está conseguindo mentir e enganar, deixa ele à vontade para falar intimidades e, no caso do competente Fernando Eichenberg, além de tudo isso, ainda muda o rumo da conversa no momento oportuno, quando surge uma oportunidade para tanto. Um bom entrevistador não pretende ser mais interessante que o entrevistado e nem deve ficar se exibindo, verborrágico, querendo demonstrar cultura e erudição sem necessidade.
As declarações bombásticas e as opiniões sobre temas do momento são importantíssimas, mas Eichenberg vai muito além, entrevistando artistas, autores, cantores, pensadores e políticos do porte de Michel Houellebecq, Charles Aznavour, Jane Birkin, John Malkovich, Robert Crumb, Michel Maffesoli, Pina Bausch, Sempé, Charlotte Gainsbourg e outros.
Aznavour diz que se apaixonou pela primeira e única vez por uma brasileira, que Agostinho dos Santos era um cantor maravilhoso e reclama quecantoras como Maysa e Elizete Cardoso não sejam lembradas. Houellebeck conta que desligou a tevê após o quarto gol da Alemanha na partida contra o Brasil, em 2014. Elisabeth Roudinesco revela que o Brasil é o país mais freudiano do mundo, neste início de século XXI,
O filósofo Luc Ferry, que escreve de modo compreensível, fala da importância de passar a vida pensando na morte, que, para ele, é de uma beleza ímpar. Quando Serge Gainsbourg morreu, Jane Kirkin declarou: “A morte é um país inacessível. Os mortos, para mim, se tornaram santos. Na morte, você é upgraded como num voo, a um estágio inacessível”.
Esses são alguns trechos desta homenagem à arte de entrevistar com perguntas sintéticas, elaboradas, bem colocadas, diretas e, por vezes, irônicas, como disse Ignácio de Loyola Brandão no prefácio: “à altura dessas entrevistas que são quase obras de literatura e que merecem as páginas perenes de um livro e não apenas a luz fugaz dos periódicos”.
Fonte: Jornal do Comércio/Jaime Cimenti (jcimenti@terra.com.br) em 5 de junho de 2016.