Translate this Page




ONLINE
15





Partilhe esta Página

                                            

            

 

 


A Poética de Fernando Pessoa
A Poética de Fernando Pessoa

A poética de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa, é o poeta que maior destaque possui na literatura portuguesa e também na literatura ocidental. Sua obra é ampla e complexa.

Aqui, faremos um breve panorama sobre as suas características mais marcantes.

 

A poética de Fernando Pessoa  Ortonímia e heteronímia

 

A obra de Pessoa pode ser dividida em dois grupos:

 

Por ortonímia compreendemos as obras assinadas com marca “Fernando Pessoa”, ou, como dizia o próprio autor, “Fernando- Pessoa- ele- mesmo”.

 

A heteronímia refere-se à produção do poeta assinada por personas, isto é, por máscaras ficcionais variadas e aponta para o caráter dramático da obra na pessoa.

 

Para o crítico literário Carlos Felipe Moisés, em Fernando Pessoa: almoxarifado de mitos, a heteronímia era um projeto literário consciente, de um modo no qual “Cada heterônimo enraizaria seu modo próprio de ser num determinado ponto de vista, responsável por uma particular concepção de mundo”.

 

A construção dessas máscaras era minuciosa, chegando o poeta, além de delinear a personalidade e os modos de escrita dos heterônimos, a fazer-lhes mapa astral e a simular correspondências trocadas entre eles.

 

Os heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa são: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

 

Fernando Pessoa foi um escritor em consonância com os valores antinaturalistas da geração de Orpheu. Reivindicava, como os seus companheiros de orfismo, a dinamização do cenário literário português e a criação de uma poesia para os novos tempos.

 

Sua poesia, desde essa fase mais inicial, é complexa e criativa. O fazer poético era, para Pessoa, um instrumento poderoso de reflexão e de questionamento.

 

O poeta Jorge de Sena, em relação a Pessoa, afirmou: “é um indisciplinador de almas”, dado o cárater sofisticado, profundo e inquietante da obra pessoana.

 

Em sua fase inicial Pessoa foi influenciado pelo estilo do saudosismo, divulgado pelo poeta Teixeira de Pascoaes. Porém, julgou dever ultrapassá-lo e criou novos estilos, dentre eles se destacando o sensacionismo e o interseccionismo.

 

Segundo Pessoa, o sensacionismo partiria do princípio de que todo objeto é uma sensação do sujeito e toda arte uma forma de converter essa sensação em um objeto. Logo, a arte seria a conversão de uma sensação em outra sensação.

 

O interseccionismo, por sua vez, seria um desdobramento do sensacionismo, a partir da consciência de que cada sensação é formada pela mescla de várias outras sensações.

  

Outro ponto importante da poesia pessoana é a presença da dialética entre a emoção e o pensamento, revelada no verso “o que em mim sente está pensando”, é um elemento importante da poesia de Pessoa. A ideia da simbiose entre o pensar e o sentir está presente em vários poemas, inclusive de heteronímia.

 

A poética de Fernando Pessoa > Mensagem, um livro excepcional

 

Dentre a obra de Pessoa, Mensagem destaca-se. Publicado em 1934, veio a ser o único livro publicado pelo autor e alude à história portuguesa e ao mito sebastianista e do Quinto Império.

 

Ao contrário do restante da obra pessoana, Mensagem tem um tom histórico e coletivo, com o arrefecimento da subjetividade, reduzida a poucas intervenções do eu lírico. Outro peculiaridade dessa obra é o fato de ser estruturada de modo preciso, afastando a aparência fragmentada e dispersa tão comum em Pessoa.

 

Pela reflexão em torno do passado português, cria-se na obra caminhos para a consciência nacional do agora e dos laços que conformariam a entidade portuguesa como coletividade.  

 

Mensagem possui três partes: “Brasão” , “Mar português” e “Encoberto”.

 

A primeira parte, “Brasão”, divide-se em “Os campos”, “Os castelos”, “As quinas”, “A coroa” e “O timbre”. Cada uma dessas partes está ligada ao brasão do país.

 

“Brasão” aborda o período histórico inicial português, desde os processos de formação da nação portuguesa até o momento da expansão marítima, representado sua dificuldade e esperança.

 

“Mar português” fala sobre a época de ouro portuguesa, a da expansão marítima, reveladora da coragem e do heroísmo português

 

“O encoberto” concentra-se no mito do Sebastianismo e do Quinto Império, que retirariam Portugal da decadência experimentada a partir do século XVIIII até o momento da enunciaçaõ, o século XX.

 

Carlos Felipe Moisés afirma que nessa obra a história portuguesa aparece como “exemplo de toda a história humana – um tortuoso e enigmático desfilar de atos cegos, no encalço de uma transcendência tanto mais ansiada quanto mais inatingível. Aquilo que se vê e se sabe, da história, não passa de aparência e equívoco, espuma de superfície; seu sentido verdadeiro é indevassável, porque remonta a sua origem mítica, “o nada que é tudo””(FELIPE MOISÉS, 2005, p. 65).

 

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena. 

Quem quere passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mito brilhante e mudo -

O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo.

 

Este, que aqui aportou,

Foi por não ser existindo.

Sem existir nos bastou.

Por não ter vindo foi vindo

E nos criou.

 

Assim a lenda se escorre

A entrar na realidade,

E a fecundá-la decorre.

Em baixo, a vida, metade

De nada, morre.

 

No poema, a mitologia é percebida como um elemento de organização social. O mito não está tão afastado da história, pois é ele o semeador das sementes do real (“a lenda se escorre/ a entrar na realidade / e a fecundá-la decorre).

 

Por outro lado, a história também é passível do engano e de ilusão, o que a aproxima mais do mito. Os paradoxos do poema (nada/tudo; “foi por não ser existindo”) demonstram a aproximação inesperada entre o mítico e o histórico.

 

Três heterônimos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

 

Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis desenhados por Almada Negreiros, de acordo com as descrições de Fernando Pessoa.

 

Alberto Caeiro

 

O que nós vemos das coisas são as coisas.

Porque veríamos nós uma coisa se houvesse outra?

Porque é que ver e ouvir seria iludirmo-nos

 Se ver e ouvir são ver e ouvir?

O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar,

Saber ver quando se vê,

E nem pensar quando se vê,

Nem ver quando se pensa.

Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!),

Isso exige um estudo profundo,

Uma aprendizagem de desaprender

E uma sequestração na liberdade daquele convento

De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas

E as flores as penitentes convictas de um só dia,

Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas

Nem as flores senão flores,

Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.

 

Caeiro é o grande mestre de Ricardo Reis e de Álvaro de Campos. Nasce em Lisboa, mas é muito ligado à natureza e à vida bucólica, tendo vivido a maior parte da vida no interior de Portugal.

 

Sua postura reflexiva nega a religiosidade e propõe, poeticamente, uma forma poética livre. Há uma procura pelo conhecimento da realidade, percebida de modo intelectualizado. Entretanto, Caeiro pode ser apontado como um poeta da simplicidade, que se reflete na escolha por uma linguagem poética coloquial, cotidiana e sem ornamentos, com clara preferência pela comparação, em detrimento à metáfora.

 

No poema “O que vemos das coisas são as coisas”, Caeiro demonstra a sua busca pela essência, pelo que seria o real da coisa em si, do ontológico.

 

Para o crítico literário Massaud Moisés, em A Literatura Portuguesa através dos textos, no poema “O que nós vemos das coisas são as coisas” seria perceptível a postulação do naturalismo, com o destaque para os verbos “ver” e “ouvir”, bem como a sua oposição ao verbo “pensar”, de forma a indicar que para bem ver e ouvir é preciso abolir o pensamento.

 

Instaura-se, então, uma contradição: se para bem ouvir e ver é preciso não pensar, não se pode chegar a tal conclusão fora do pensamento, pois foi preciso pensar essa ideia. O limite entre pensar e mergulhar em um real para além do racional instaura-se e complexifica o poema.

 

O interesse pela espaço natural, visto como simples e acolhedor, e a indagação sobre a existência do ser e das coisas, são elementos do poema por nós comentados e que estão presentes, de modo recorrente, na obra de Caeiro como um todo.

 

Há, de forma geral, nos poemas de Caeiro a presença da dialética entre sensação, simplicidade e realidade. Como dissemos, essa simplicidade, todavia, não exclui a intelectualização do eu lírico.

 

O Modernismo em Portugal e a Poética de Fernando Pessoa 

 

Mapa astral de Ricardo Reis, feito por Pessoa.

  

Ricardo Reis

As duas noções - a mutabilidade do mundo e o equilíbrio – unem-se na representação do amor no poema, como uma experiência profunda, porém contida e racional.

 

Ricardo Reis é um latinista e um helenista, cuja poesia sofre grande influência de Horácio e do Epicurismo. Portanto, é um homem cujo interesse intelectual é formado pelo amor à Antiguidade Clássica e às suas orientações filosóficas e poéticas.

 

No poema “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio”, podemos perceber o claro diálogo da obra de Reis com as referências clássicas.

 

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos

Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,

Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.

Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.

Mais vale saber passar silenciosamente

E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,

Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,

Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,

E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,

Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,

Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro

Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as

No colo, e que o seu perfume suavize o momento –

Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,

Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois

Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,

Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos

Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o bolo ao barqueiro sombrio,

Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.

Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,

Pagã triste e com flores no regaço.

  

Ricardo Reis

As duas noções - a mutabilidade do mundo e o equilíbrio – unem-se na representação do amor no poema, como uma experiência profunda, porém contida e racional.