Teoria da Literatura
Estudos de narrativa: o conto, a novela, o ensaio e a crônica.
Formas narrativas: o conto, a novela, o ensaio e a crônica. Em relação aos dois últimos, porém, há uma instabilidade no que toca à sua percepção como uma forma rigidamente literária de modo que alguns autores, como Angélica Soares, por exemplo, preferem situá-los como um gênero à parte.
Para o início de nossa conversa, estudaremos uma forma narrativa bastante conhecida na atualidade: o conto.
O conto
Uma das possibilidades de identificarmos o que pode ser considerado como um conto é a sua designação como uma narrativa em prosa, tal como o romance, porém menor do que este.
Tal afirmação, entretanto, não seria suficiente, pois, na verdade, a diferença entre o conto e o romance – como também entre o conto e a novela, não se dá, apenas, por questões de extensão, mas, principalmente, pelos modos de configuração.
Com isso, queremos afirmar o fato de o conto possuir configurações muito específicas para além de sua pequena extensão.
Concisão
A estrutura do conto é concisa. Tende a não apresentar conflitos secundários, mas a ser configurada em torno de um só conflito.
Disso deriva a sua oposição ao desejo romanesco de abarcar a totalidade. A tendência do conto é contrária: captar um instante, uma questão, um elemento impactante e trabalhar a narrativa em cima dele.
Sobre isso, Angélica Soares diz que:
“Ao invés de representar o desenvolvimento ou o corte na vida dos personagens, visando abarcar a totalidade, o conto aparece como uma amostragem, como um flagrante ou instantâneo, pelo que vemos registrado literariamente um episódio singular e representativo.
Outra derivação desse aspecto conciso é a edição presente no trabalho de construção do conto que tende a elidir as derivações do narrador e elementos que possam fugir ao que haveria de essencial na história a ser narrada. Por isso, há a tendência do conto apresentar personagens que tendem a ser planas em seu livro “Teoria do Conto”, Nádia Gottlib fala sobre a teoria criada pelo escritor inglês Edgar Allan Poe sobre o gênero em questão.
Outro ponto importante sobre o conto como gênero literário é o seu desdobramento desde a situação de conflito até o desfecho. Para Boris Eikhenbaum, um estudioso dos contos de Poe, além da concisão, outra característica fundamental da estrutura do conto é a importância dada ao desfecho, imediato à situação de clímax, em geral.
A questão da unidade de efeito
O clímax
O impacto do conto
– Leitura do conto e luta de boxe
O conto, por fim, deve em sua estrutura enxuta, ser capaz de impactar de modo profundo o leitor. O escritor argentino Julio Cortázar chegou a comparar a relação entre o leitor e o conto a uma luta de boxe, na qual o texto precisa ganhar por knockout, a partir da representação de momentos singulares da realidade.
O conto fantástico
– Introdução à literatura fantástica e As estruturas narrativas.
O fantástico, o estranho e o maravilhoso
– Presença de um fenômeno aparentemente sobrenatural, mas que se revelaria em uma explicação racional e plausível.
– Naturalização de um mundo excepcional e sem conexão com a lógica.
Para o crítico literário Tzvetan Todorov, em Introdução à Literatura Fantástica e em As Estruturas Narrativas, o conto fantástico é um gênero passível de ser relativamente bem delimitado. Para tal delimitação, Todorov compara o fantástico com o que chama de estranho e de maravilhoso.
O estranho, para Todorov, ocorre em contos cujas narrativas apontam para a existência de um fenômeno aparentemente sobrenatural, mas que se revelaria com uma explicação racional e plausível, por fim.
O maravilhoso já estaria situado no outro lado do gradiente: estaria presente em narrativas, como os contos de fadas, nas quais a existência de um mundo excepcional e sem conexão com a lógica é naturalizado.
O fantástico é um tipo de conto construído em torno da ideia de hesitação. Há uma suspensão entre o passível de ser racionalizado e o episódio surreal: nessa dúvida, o fantástico emerge.
São histórias nas quais não se sabe com certeza se estamos frente a uma manifestação sobrenatural ou não. Diz Todorov ser o fantástico:
“A hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais perante um acontecimento aparentemente sobrenatural.”
A hesitação é, portanto, um elemento fundamental para a organização do conto fantástico. E deve, por empatia, alcançar ao leitor como propõe Todorov:
“Primeiro, é preciso que o texto obrigue ao leitor a considerar o mundo das personagens como um mundo de criaturas vivas e hesitar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados. A seguir, essa hesitação pode ser igualmente experimentada por uma personagem. Dessa forma, o papel do leitor é, por assim dizer, confiado a uma personagem e, ao mesmo tempo, a hesitação encontra-se representada, torna-se um dos temas da obra; no caso de uma leitura ingênua, o leitor real se identifica com a personagem”.
“Como exemplo de um conto fantástico, podemos indicar “A queda da Casa de Usher”, de Edgar Allan Poe.
Nesse conto, o narrador-protagonista fala sobre uma experiência vivenciada ao visitar um amigo um pouco distante que se encontrava extremamente doente e solicitava a sua presença. Ao chegar a casa, na beira de um lago, nota a sua rachadura frontal.
“O amigo está extremamente doente e tem uma irmã também enferma, com o mal da catalepsia, como será revelado posteriormente. Os eventos rumam para a morte da moça, enterrada na cripta da família.
Em um dia de extrema tensão, entretanto, o narrador frente a seu amigo, já com aparência cadavérica, ouve a porta abrir-se e nela surgir a figura da morta.
“Morta? Eis a dúvida, tão cara ao conto fantástico. Estaria a moça voltando para se vingar de seu irmão que a enterrara viva, por conta de um ataque cataléptico? Ou morrera de fato?
De qualquer modo, ela avança para o irmão e ambos morrem. O narrador só tem tempo de abandonar a casa, que é sugada pelo lago, deixando no narrador, e, por empatia, no leitor a dúvida sobre a natureza dos episódios ocorridos.
O conto de fadas
– Principais autores: Irmãos Grimm, Hans Christian Andersen e Charles Perrault
– Edição dos contos e sua adequação ao público leitor.
Três histórias “originais”.
– A Bela Adormecida
– Chapeuzinho Vermelho
– A pequena sereia
– Muitos críticos não o consideram uma forma literária.
– A visão de André Jolles
O conto de fadas é uma narrativa primordial que remonta a tempos imemoriais. É marcada pelo maravilhoso e pela tendência à moralização, com função propedêutica.
É fortemente marcado pela oralidade. Para termos uma ideia, as primeiras formas escritas das narrativas de fadas ocidentais datam do século XIX, com o Romantismo e a sua valorização da cultura nacional.
O Romantismo via nas histórias orais criadas pelo povo um índice importante da cultura nacional. Muitos autores românticos transformaram tais narrativas orais em escritas. Os principais desses autores são: os irmãos Grimm, Hans Christian Andersen e Charles Perrault.
Nesse processo, editaram e transformaram muitas de suas partes, ocultando aspectos considerados como sexualizados ou violentos. Fizeram esse procedimento como modo de adequar as narrativas a um público leitor burguês e, majoritariamente, feminino, leitor das histórias para os seus filhos e/ou outras crianças.
A história da Bela Adormecida
No original, a princesa dorme e é violentada pelo rei. Gera dois filhos, nascidos enquanto ainda dormia. Ao acordar, depara-se com a nova realidade.
Chapeuzinho Vermelho
Não havia a figura do caçador e da avó, originalmente. Ela é morta e devorada pelo lobo.
A pequena sereia
Morre de tristeza no final após ser abandonada pelo príncipe que se casa com outra moça.
O conto de fadas não é considerado por muitos críticos como uma forma literária. André Jolles, por exemplo, percebe o conto de fadas como uma forma simples e a opõe à forma literária. Isso, segundo Jolles, os contos de fada teriam formas permanentes que mesmo recontadas não perderiam a sua essência. A forma artística, literária, ao contrário, perderia a sua singularidade no processo de recontagem.
A novela é uma narrativa situada, em termos de extensão, entre o conto e a romance. Apesar de em língua inglesa a palavra “novel” referir-se ao romance, a palavra novela, na língua portuguesa, não se refere a esse gênero.
Não é concisa como o conto, embora também tenda a apresentar um conflito principal, desenvolvido em um espaço e tempo rígidos, bem como personagens planas.
Um exemplo de novela seria “O Alienista”, de Machado de Assis, a qual narra a história de Simão Bacamarte, médico de formação e ideário europeu que tenta aplicar os seus conhecimentos científicos em Itaguaí.
A narrativa, apesar de breve e focada nas ações, graças à habilidade do autor, discute questões complexas como as relações entre ciência, linguagem e poder.
O ensaio
No século XVI, o filósofo Michel de Montaigne escreveu uma obra justamente chamada de Ensaios. Por meio desses ensaios, ele justamente expressava a sua opinião e visão de mundo sobre uma série de assuntos, inclusive polêmicos, como fez no capítulo intitulado “Dos canibais”.
Nesse capítulo, Montaigne, de modo corajoso, defendeu os canibais do Novo Mundo e inverteu o olhar eurocêntrico que imperava no momento ao afirmar que os europeus eram os verdadeiros bárbaros, pois, ao contrário do ritual simbólico do canibalismo, matavam por crueldade, ódio e ganância.
Outro dado importante sobre o ensaio é o fato desse poder ter certo tom literário, com o emprego de imagens metafóricas, por exemplo. Um filósofo cuja obra apresenta esse tom é Walter Benjamin.
Benjamin, por exemplo, ao falar da importância do ócio para a criatividade e o fortalecimento da experiência coletiva, afirmou em “O narrador”:
“O tédio é o pássaro que choca os ovos da experiência”.
Por conta dessa conexão com a linguagem literária, o ensaio situa-se em uma fronteira tênue entre o filosófico e o literário, havendo uma conexão entre a exposição de um pensamento inovador em uma linguagem igualmente experimental, embora não ficcional e mantendo o seu sentido de criticidade.
A crônica
– Relação objetiva de acontecimentos
– Caráter subjetivo
– A figura do cronista ganha relevância: atribui-se ao cronista a opinião sobre os acontecimentos relatados.
– O impacto do Novo Mundo
– Mantém a sua condição de relato, mas já imprime certa curiosidade para as minúcias do cotidiano
– Fato e ficção, agora de modo consciente
– Elementos de gêneros literários diversos
– Fragmentação: captura dos múltiplos acontecimentos e manifestações do real.
Em termos etimológicos, a palavra crônica origina-se do grego chronos, o que significa “tempo”. É, portanto, desde as suas origens, um tipo de texto identificado com a necessidade de narrar a temporalidade, de marcar o tempo vivido.
Essa marcação do tempo experimentado dá-se, entretanto, de modo diverso, dadas as transformações vividas pelo gênero.
Em sua emergência, durante a Idade Antiga, a crônica era simplesmente um rol de acontecimentos elencados de forma tranquila e objetiva.
Na Baixa Idade Média, as crônicas passam a ter um caráter mais subjetivo, a partir do momento em que a figura do cronista ganha relevância e a ele é atribuído o papel de opinar sobre os acontecimentos relatados. É interessante lembrar a inexistência de uma oposição significativa e delimitada entre fato e ficção nesse momento.
No século XVI, a crônica encontra um terreno fértil para a sua construção: o Novo Mundo com os seus mistérios e singularidades, captadas e filtradas pelo olhar do cronista, o qual projeta um imaginário pré-configurado na América, como tantos outros europeus. A crônica mantém a sua condição de relato, de descrição, mas já imprime certa curiosidade para as minúcias do cotidiano.
A crônica, tal como conhecemos na atualidade, assume a sua forma no século XIX. Torna-se um relato dos acontecimentos da semana, sejam eles de extrema relevância, como a reflexão sobre os processos de guerra, ou fúteis, como a nova moda da Rua do Ouvidor.
José de Alencar, um dos primeiros cronistas brasileiros, comparou o cronista a um beija-flor: como o pássaro voa de flor em flor, a crônica captaria os acontecimentos da semana, a ser reelaborados no texto por seu autor.
O fato é que, mesmo inicialmente, a crônica também poderia ultrapassar a sua condição de comentário sobre os eventos e alcançar outros objetos de reflexão, como a metalinguagem – como fez Alencar.
Se definirmos a crônica como um gênero narrativo que relata fatos e acontecimentos tais como ocorrerem num determinado momento - quer históricos, quer da vida cotidiana – podemos dizer que ela é tão antiga quanto a invenção da literatura. A crônica histórica, relatando a vida dos soberanos, eventos e guerras, é encontrada na literatura babilônia, berço da escrita. Na Europa medieval, religiosos e sacerdotes foram minuciosos cronistas que possibilitaram aos historiadores reconstituir a cronologia dos reinados. Escribas a serviço dos reis acompanhavam os grandes acontecimentos, com a função precípua de os relatar. Foi nesta condição que Pero Vaz de Caminha acompanhou a expedição portuguesa que chegou ao Brasil e tornou-se o primeiro cronista da nossa terra.
É ainda no século XIX que o caráter híbrido da crônica moderna mostra-se, ao assumir-se como forma a comportar o fato e a ficção, agora de modo consciente, elementos de gêneros literários diversos. Além disso, é fragmentada, pois capta os múltiplos acontecimentos e manifestações do real – como intuído pela crônica de Alencar, na metáfora do beija-flor.
Essa mescla permitiu, por exemplo, a Machado de Assis escrever uma crônica logo após a Abolição da Escravatura. Nela, o narrador assume ter um escravo que havia sido alforriado dias antes da lei. Ironicamente, mostra que nada mudou, pois o escravo continua a ser explorado e a apanhar. Evidentemente, Machado não estava fazendo uma confissão, mas uma crítica à hipocrisia de certos setores da sociedade e ao próprio evento sobre o qual se mantinha cético. O caráter híbrido da crônica permitia a ele esse tipo de abordagem.
POLIMÓRFICA
“Polimórfica, ela se utiliza afetivamente do diálogo, do monólogo, da alegoria, da confissão, da entrevista, do verso, da resenha, de personalidades reais, de personagens ficcionais..., afastando-se sempre da mera reprodução de fatos. E enquanto literatura, ela capta poeticamente o instante, perenizando-o”.
Há na literatura brasileira um elenco de cronistas excepcionais, como o já referido Machado de Assis, João do Rio, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga e Luís Fernando Veríssimo.