O Sol Nascente de Monet - Impressionismo
Biografismo e Impressionismo Crítico
BIOGRAFISMO E IMPRESSIONISMO CRÍTICO
Nesta aula, identificaremos as características da crítica extraliterária de base biográfica e impressionista, através de um panorama dos estudos literários realizados a partir do século XIX.
Teremos um panorama dos estudos literários que se iniciaram no século XIX, objetivando compreender como se formou uma crítica extraliterária impressionista.
A crítica extraliterária impressionista permite ao leitor uma maior autonomia na interpretação e, em oposição, quais as propostas da análise do texto literário de base biográfica, ou seja, fundamentada na vida do autor.
Você compreenderá as diferenças entre a crítica biográfica e a crítica impressionista, identificando as características e a validade de cada uma delas, bem como sua aplicabilidade no texto literário.
O impressionismo crítico
A crítica impressionista permite ao leitor de um texto literário avaliar a obra por métodos unicamente subjetivos, ou seja, que estejam vinculados à moral, à ética e à estética constituídas exclusivamente por critérios de avaliação próprios, não submetidos à percepção conduzida por teorias e práticas literárias formuladas pela intelectualidade e pelo meio acadêmico.
Assim, a crítica impressionista constitui-se como uma opinião fundada apenas nas emoções que o texto provoca no leitor. As análises da crítica impressionista são formuladas a partir das impressões percebidas pelo leitor no contato com o texto.
Os críticos impressionistas consideram que o essencial é o prazer da leitura que se obtém a partir de dados subjetivos e percepções individuais dos leitores. Não há, portanto, preocupações com o rigor metodológico ou com a adequação de teorias à análise literária. É o leitor quem determina o valor da obra, a sua influência sobre seu modo de ver o mundo e as relações possíveis entre obras.
Conciliados a uma crítica literária impressionista, autores diversos como Anatole France e Virgínia Woolf produziram obras que se distanciaram dos padrões literários valorados pela visão acadêmica tradicional.
O impressionismo literário brasileiro
No Brasil, Araripe Júnior (1848-1911), crítico que formou com Silvio Romero e José Veríssimo a chamada “trindade da crítica positivista e naturalista”, não deixou de perceber a nova tendência e enveredou pela crítica biográfica, elaborando ensaios que elucidaram mais a obra de autores consagrados, entre eles Machado de Assis.
O impressionismo literário brasileiro é, segundo Afrânio Cotinho, uma união entre a tendência realista e naturalista e a subjetividade simbolista. Procurando a síntese das informações dadas pelas correntes literárias antagônicas, os impressionistas brasileiros pretendiam uma literatura que mantivesse a objetividade sem enveredar pela explicação científica.
Esclarece Afrânio Coutinho: “O mais importante no Impressionismo é o instantâneo e único, tal como aparece ao olho do observador. Não é o objeto, mas as sensações e emoções que ele desperta, num dado instante, no espírito do observador, que é por ele reproduzido caprichosa e vagamente. Não se trata de apresentar o objeto tal como visto, mas como é visto e sentido num dado momento”. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 240)
Os autores brasileiros que se filiaram à tendência impressionista, segundo Afrânio Coutinho, são Raul Pompéia, Machado de Assis, na fase final de sua obra, e Graça Aranha, com a obra Canaã.
"Todo o mal está na Força e só o Amor pode conduzir os homens... Tudo o que vês, todos os sacrifícios, todas as agonias, todas as revoltas, todos os martírios são formas errantes da Liberdade. (...) Eu te suplico, a ti e à tua ainda inumerável geração, abandonemos os nossos ódios destruidores, reconciliemo-nos antes de chegar ao instante da Morte..." (ARANHA, Graça. Canaã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 218)
A proposta impressionista decorre, como esclarece Arnold Hauser e destaca Afrânio Coutinho, da ideia, presente já no filósofo pré-socrático Heráclito (540 a.C. – 470 a.C.), de que a realidade é mutável, o que se faz representar pela seguinte proposta:
“o homem não mergulha duas vezes no rio da vida em eterno movimento para diante”. Portanto, “a realidade não é um estado coerente e estável, mas um vir-a-ser, um processo em curso, em crescimento e decadência, uma metamorfose”. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 241)
Origens da crítica impressionista
As origens da crítica impressionista encontram-se na reação a uma metodologia de historiografia literária que se apoiava apenas em fatores externos ao texto, a uma “sociologia da literatura”.
A polêmica era suscitada por haver, a prática acadêmica, consolidado o método histórico em detrimento da própria arte. Paul Van Tieghem, no “Primeiro Congresso Internacional da História Literária e a crise dos métodos” (1931), apresenta um relatório no qual acusava os críticos de terem deixado de lado “o íntimo valor de arte e pensamento da obra, pelo trabalho e acúmulo de dados biográficos e fontes”. Aliam-se a esses métodos historicistas, as orientações positivistas de Auguste Comte que se estenderam para a análise literária.
Cabe reproduzir aqui, por seu valor histórico e de compreensão para o tema desta aula, a síntese das ideias de Van Tieghem formulada por Afrânio Coutinho, a fim de que se compreenda com mais clareza o contexto em que surge a crítica impressionista e contra que propostas este método se insurge.
Visão crítica impressionista de Paul Van Tieghem
“(...) os estudos de história literária a partir do século XIX tomaram diversas direções, dentro das preceptivas do método histórico. Entre elas, devem mencionar-se, segundo Van Tieghem, as seguintes: 1. literatura comparada. Estuda as relações entre as produções das diversas literaturas modernas, procura explicar a obra literária pelas fontes, imitações, influências (...); 2. literatura geral. Alargando o objeto da literatura comparada, coloca a obra no meio internacional, estuda-a nas suas relações com as obras análogas, na forma ou no espírito, produzidas na mesma época ou em épocas paralelas em vários países (...);
3. história literária sociológica. Estuda o público a que se dirigem as obras, os elementos diversos, os caracteres, as reações, as variações sucessivas ou paralelas do gosto, a influência nos escritores (...); 4. história literária geográfica. Agrupa os escritores e as obras por províncias ou regiões (...); 5. história literária geracional e periódica. Divide a evolução da literatura em períodos (Periodisierung), ou, mais especificamente, em “gerações”, com o intuito de melhor explicar as sucessões e alternâncias de que é feita a história literária (...)”. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 10).
O surgimento de uma crítica impressionista
Vemos, então, que a necessidade do surgimento de uma crítica impressionista justifica-se ante um tratamento dado à literatura, pela crítica de um modo geral, baseado exclusivamente na coleta de dados e nos métodos comparativos, deixando de lado o próprio texto literário, o qual deveria ser o objeto primeiro da análise.
Entre as muitas ressalvas apresentadas por Paul Van Tieghem contra a prática de análise historiográfica, destaca-se um argumento que justifica a formulação da crítica impressionista:
A crítica historiográfica e cientificista não leva em conta que “o espírito do escritor foi alimentado durante a criação por uma multidão infinita de encontros que desaparecem sem deixar rastos”. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 12).
A crítica literária historiográfica e a crítica literária positivista forneceram aos seus opositores as armas para sua diluição ao centrarem em demasia os estudos em aspectos extraliterários.
Afrânio Coutinho, bem como vários de seus pares, tendeu para uma análise crítica que evidenciasse a obra, embora não recusasse dados exteriores ao texto para melhor compreender o objeto em análise.
Coutinho opõe-se à crítica impressionista
O próprio Afrânio Coutinho opôs-se à crítica impressionista por considerar que ela abdicava demais de informações relevantes para a análise de um texto, visto que um autor faz parte de um sistema social e cultural e, portanto, sofre dele influências diversas ao criar a sua obra. Coutinho recusa a tendência humanística que faz parte da formação da intelectualidade brasileira, carente de uma “consciência técnica” advinda da falta de uma formação educacional criteriosa.
Além disso, não concebe a prática de se relacionar o texto literário com outras formas de arte, comparação e crítica que se formulam apenas no espírito humano, o que leva a uma crítica impressionista. Essa prática tem, no jornalismo, alguns dos maiores críticos brasileiros, como Tristão de Athaíde, Otto Maria Carpeaux, tipificados como críticos impressionistas e, expoente máximo dessa corrente, Álvaro Lins, cuja obra Os Mortos de Sobrecasaca (1940-1960) é o mais relevante registro dessa proposta.
A crítica impressionista de Álvaro Lins se faz representar na análise elaborada da poesia “Sentimento do Mundo”, de Carlos Drummond de Andrade:
“Sim: se eu tivesse o gosto das classificações diria que o Sr. Carlos Drummond de Andrade é o poeta que mais unanimemente representa a poesia moderna no Brasil, através da linha fiel dos seus desdobramentos. Na forma, na substância poética, nos temas, na posição histórica – tornou-se o poeta mais representativo do modernismo.”
Ora, Sentimento do Mundo caracteriza-se, inicialmente, pela apresentação de uma linguagem e de uma forma realmente poéticas; a linguagem sendo de caráter mágico, como em toda poesia, não de caráter exatamente lógico, como nos gêneros prosaicos.
Percebemos, no texto de Álvaro Lins, duas propostas da crítica impressionista: recusar as classificações ao gosto historiográfico e autorizar o leitor a uma coautoria necessária para melhor apreensão do texto literário.
Ora, Sentimento do Mundo caracteriza-se, inicialmente, pela apresentação de uma linguagem e de uma forma realmente poéticas; a linguagem sendo de caráter mágico, como em toda poesia, não de caráter exatamente lógico, como nos gêneros prosaicos. E esta linguagem mágica faz cada palavra encerrar um significado múltiplo e oscilante; faz, de cada palavra, um pequeno universo que se prolonga no leitor, que o obriga a se continuar nele, participando da experiência e do conhecimento do poeta.
(LINS, Álvaro, Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. p. 7)
Não podendo, em versos, “explicar-se” como em prosa, o Sr. Carlos Drummond houve de emprestar, por isso, à sua linguagem poética um poder mágico de sugestão, houve que concentrar nos desdobramentos imagináveis uma grande parte de sua função demiúrgica. Portanto, é um poeta que exige a colaboração e a participação do leitor. (...)”
(LINS, Álvaro, Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. p. 7) (grifos nossos)
A crítica biográfica
Estando o homem inserido na sociedade, dela participa, sofre influências, reage. Não poderia ser diferente com o autor e uma obra literária. É com essa certeza que surge, entre a intelectualidade brasileira, a crítica biográfica, a qual preconiza que a análise de um texto literário não pode prescindir de dados biográficos relevantes para a compreensão da mensagem. “O escritor é, pois, um criador, mas, ao mesmo tempo, a sua obra está, toda ela, mergulhada no momento histórico que a origina”. (RICCIARDI, Giovanni. Sociologia da literatura. Lisboa: Publicações Europa-América, 1971, p. 80)
Justifica-se a crítica biográfica pela produção de autores comprometidos com a sociedade da qual participam. Na literatura de Portugal e do Brasil, temos diversos exemplos de escritores realistas e neorrealistas, como Eça de Queirós, Machado de Assis, Carlos de Oliveira, Graciliano Ramos, entre muitos outros.
A situação econômica do escritor e a classe social a que pertence têm sido parâmetros para a análise de uma obra a partir da crítica biográfica. As ideologias que defende e aspectos cotidianos e psicológicos da vida do autor também se configuram objetos de análise.
A crítica biográfica como método fundamental sofreu diversas críticas, inclusive de Afrânio Coutinho:
“A biografia monopolizou quase por completo os estudos literários no Brasil, inclusive a crítica, a ponto de constituir um sério desvio a ser corrigido. Ela absorveu, por influência de Sainte Beuve, a própria interpretação crítica, e chegou-se a inverter a ordem natural dos estudos literários: em vez de chegar-se à obra através do autor, como poderia ser o legítimo objetivo da biografia literária, passou-se a usar a obra como ponte para atingir-se o autor, idealizado romanticamente na sua individualidade.
A hipertrofia biográfica chegou a ponto de afastar a leitura das obras em proveito do conhecimento da vida dos autores”. (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 67).
Conheça alguns nomes da história da crítica literária
Charles Augustin Sainte-Beuve (1804-1869). Considerado um dos mais importantes nomes da história da crítica literária, inaugurou a crítica moderna e a crítica de jornal. Ele acreditava ser possível uma crítica isenta da obra literária a partir da biografia dos autores. Sainte Beuve estabeleceu a diferença entre a crítica subjetivista (romântica) e a objetivista (científica).
Benedetto Croce, na obra Estética (1902), procurou um meio termo entre a crítica impressionista e a crítica biográfica, afastando-se tanto da visão subjetivista de Anatole France quanto do método cientificista de Taine. Croce não aceitava qualificar a obra literária a partir de uma classificação de gêneros ou de quaisquer outras regras impostas à análise literária que, segundo ele, deveriam partir apenas da obra em si mesma.
Distanciando-se das discussões primeiras sobre a validade desse ou daquele método crítico, os estudos literários avançam em direção a um consenso, extraindo do texto e de sua autoria o mais relevante para a análise.
É o que propõe Flora Sussekind ao fazer um estudo sobre a poesia contemporânea brasileira. Com o subtítulo:
É o que propõe Flora Sussekind ao fazer um estudo sobre a poesia contemporânea brasileira. Com o subtítulo “A literatura do eu – Onde se lê poesia, leia-se vida”, a autora propõe uma compreensão biográfica da literatura não mais baseada nos fatos que marcam a vida do autor, mas na concepção de que vida e obra se fundem irremediavelmente:
São as vivências cotidianas do poeta, os fatos mais corriqueiros que constituirão a matéria da poesia”. (SUSSEKIND, Flora. Literatura e vida literária – polêmicas, diários & retratos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 67)
Os estudos sobre crítica literária têm indicado uma dicotomia entre a crítica acadêmica e a crítica jornalística ou de “rodapé”. Como a polêmica se revigora periodicamente, cabe conceituar essas propostas e estabelecer as diferenças entre elas.
A crítica acadêmica dá-se no âmbito das universidades. Os estudos, nesse caso, fundamentam-se em teorias diversas que atendem às necessidades da compreensão do texto literário objeto da análise ou da formação do próprio analista.
É comum, então, a associação entre literatura e filosofia, literatura e história, literatura e sociologia, literatura e psicanálise etc. Como parâmetros de análise, selecionam-se autores e obras canônicas, mesmo que os textos analisados sejam contemporâneos. Tais análises, de um modo geral, tendem a se enquadrar em teorias consolidadas. Esse método, não raro, tem como destinação o leitor especialista, visto que se vale de citações e referências que conferem erudição à análise elaborada.
A crítica de rodapé faz a análise do texto literário objetivando uma percepção estética e subjetiva do mesmo, muitas vezes para divulgar um livro, qualificá-lo ou desqualificá-lo ante um público leitor.
E se propõe, até mesmo, a formar um público leitor, atendendo a critérios que passam ao largo das teorias acadêmicas. Assim, a crítica jornalística ou de rodapé pode servir a interesses mercadológicos, mas a adesão de críticos renomados e a sua permanência, além da visão crítica subjetiva de um público leitor cada vez mais exigente tem validado esse método de análise dos textos literários.