PARA RELER GUIMARÃES ROSA
Obra do autor mineiro é relançada 50 anos após sua morte.
Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1967. Depois de adiar sua posse na Academia Brasileira de Letras por quatro anos porque tinha medo de emocionar-se demais e sofrer um mal súbito durante a cerimônia, o médico, escritor e diplomata João Guimarães Rosa finalmente submete-se ao rito da casa para tornar-se um imortal. Em seu discurso, afirmou que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”.
Três dias depois, seria vítima de um enfarte fulminante, aos 59 anos. Encantou-se. Para marcar este meio século sem o autor de GRANDE SERTÃO: VEREDAS, a editora Nova Fronteira lança um box com toda sua obra de ficção reunida.
Na mais justo – Guimarães Rosa é o tipo de escritor que não pode ser esquecido, embora, nos últimos tempos, pareça meio longe do grande público leitor. Ele escrevia compulsivamente, como prova seu acervo, comprado pelo Instituto de Estudos Brasileiros, da Universidade de São Paulo (USP), no início dos anos 1970.
Curadora do fundo João Guimarães Rosa, da USP, a professora Sandra Vasconcelos chama a atenção para a importância de enriquecer o legado do autor. “Mesmo com todos os esforços, ainda se sabe que há muito a ser descoberto e catalogado sobre a vida e a obra do autor de TUTAMEIA”, conta Sandra,
Por enquanto, publicar textos inéditos é uma questão complicada, que depende de acordos entre os herdeiros de Rosa. À parte isso, o leitor só tem a ganhar, à medida que se conhece mais a fundo a obra e a biografia do escritor que nasceu em Cordisburgo (MG), em 1908, e revolucionou a literatura brasileira.
A facilidade para as línguas estrangeiras o levou à carreira diplomática, depois de ter sido médico em inúmeras cidades de Minas. Essas experiências foram fundamentais para a formação do escritor – cuja obra, por sua vez, foi consolidada durante sua vivência em outros países, como França, Alemanha e Colômbia.
Guimarães Rosa era homem de fé, oficialmente católico, e muito supersticioso. Se, por um lado, acreditava no poder da oração, tampouco duvidava do sentido místico das coisas. Acreditava na imortalidade da alma, conhecia bem a filosofia hindu, estudava o sobrenatural. Interessou-se por parapsicologia e, segundo o jornalista e amigo Otto Lara Resende (1922-1992), exercitava o controle da mente em uma época em que não se falava nisso.
É curioso que, apesar de a obra de Rosa ser tão intimamente ligada à palavra, ela cabe muito bem no cinema por tratar primordialmente de dramas humanos. Vêm daí as adaptações para cinema ou televisão de GRANDE SERTÃO: VEREDAS e A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA, além de OUTRAS ESTÓRIAS, em que Pedro Bial adaptou cinco contos do livro PRIMEIRAS ESTÓRIAS.
A obra do escritor mineiro virou até música. Em 1968, a atriz e cantora Dulce Nunes gravou o LP O SAMBA DO ESCRITOR – um disco de “musicopoesia”, registrando 12 composições próprias em parceria com escritores como Jorge Amado, Mário Quintana, Guimarães Rosa, entre outros.
Uma obra tão importante não teria outro destino a não ser, mesmo, tornar-se imortal. E assim foi com o criador de personagens como Diadorim.
Fonte: Jornal do Comércio/Caderno Panorama em 13/12/2017