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Euclides da Cunha: O seu Lado Ensaístico
Euclides da Cunha: O seu Lado Ensaístico

MERGULHO NA OBRA DE EUCLIDES DA CUNHA

 

Escritor será o homenageado da Festa Literária de Paraty neste ano.

 

Homenageado da próxima Festa Literária de Paraty, a Flip, que acontece em julho na cidade litorânea do Rio de Janeiro, Euclides da Cunha representa uma radicalidade na literatura e cultura brasileiras. Sobre seu trabalho debruçam-se diversos pesquisadores, como Francisco Foot Hardman, que coordena o volume ENSAIOS E INÉDITOS (Editora Unesp), organizado por Leopoldo Bernucci e Felipe Pereira Rissato. Trata-se do conjunto de 31 composições assinadas pelo autor de OS SERTÕES, cuja primeira tem a data de 1883, quando ele tinha apenas 17 anos – a última é de 1909, ano de sua morte. Algumas crônicas foram publicadas no jornal O Estado de S. paulo, com o qual o escritor colaborou regularmente.

 

Além do ineditismo em livro de alguns textos – e de outros serem pouquíssimos conhecidos –, a missão do trabalho é a de mostrar como o talento de Cunha não se limitava à obra OS SERTÕES, certamente uma das mais notáveis da literatura brasileira. “Julgo tão importante como outro livro de Euclides, À MARGEM DA HISTÓRIA (1909), publicado postumamente e que a Editora Unesp deverá lançar uma edição crítica, na qual será possível constatar sua radicalidade no âmbito da cultura brasileira”, observa Hardman.

 

Entre as 31 composições, há desde fragmentos (punhado de frases sobre determinado assunto ao qual Cunha não pode ou não quis retomar) até anotações e manuscritos que resultariam em textos acabados, como CONTRASTES E CONFRONTOS (1907), PERU VERSUS BOLIVIA (1907) e o já lembrado À MARGEM DA HISTÓRIA. Uma das questões mais recorrentes na obra do autor é a relação entre civilização e barbárie – assim, quando de sua viagem ao Alto Purus, no Acre, região fronteiriça com o Peru, em 1905, época de auge da economia extrativista da borracha, Cunha observou o trabalho semiescravo a que eram submetidos os seringueiros, além da brutalidade reservada aos índios.

 

À época, Cunha foi designado para liderar a comitiva mista brasileiro-peruana de reconhecimento da região. E, além de cumprir com os objetivos técnicos da missão (como mapeamento da área), ele coletou dados para uma análise histórica e social do Extremo Oeste da Amazônia.

 

Segundo Hardman, há vários aspectos a considerar nos fragmentos agora publicados e seu ineditismo em relação a OS SERTÕES – um deles, o interesse de Cunha pela geopolítica internacional. “Não só no âmbito das questões da América Latina, mas de toda a geopolítica mundial, muito além do apregoado nacionalismo rígido que muita leituras apressadas lhe conferem. Sua resenha original, por exemplo, sobre o romance QUATREVINGT-TREIZE, de Victor Hugo (1874), manuscrita num caderno na Escola militar, por volta de 1885, converte-se em libelo, em profissão de fé romântica nos ideais da Revolução Francesa, que já nos tinha chamado a atenção quando compilávamos uma poesia de juventude”, relata.

 

Para o pesquisador, quanto ao estilo, vale lembrar que são textos curtos, numa forma talvez mais recorrente em Euclides da Cunha (OS SERTÕES constituindo, a rigor, uma exceção). Seu vínculo forte com o jornalismo, seja como cronista ou articulista de fundo, é algo que necessitaria ser ainda mais bem estudado.

 

Hardman lembra ainda, que o escritor foi um abolicionista e republicano de primeiríssima hora, engajado como jovem cadete radical, inclusive com simpatias declaradas pelo socialismo reformista mais afim aos inícios da social-democracia europeia. Em 1894, descontente com os rumos autoritário-militares da República, Cunha entra em rota de colisão com a carreira militar, é transferido abruptamente para Campanha, em Minas Gerais, e, em 1895, inicia seus trabalhos como engenheiro de obras públicas no estado de São Paulo.

 

Para Hardman, Euclides da Cunha é um dos maiores escritores da língua portuguesa de todos os tempos. “Sua modernidade literária pode ser vista nos gêneros híbridos adotados, na temática social inovadora e na sua desconfiança visceral em relação ao bacharelismo de nossas elites”, afirma.

 

A atualidade de OS SERTÕES pode ser buscada de várias maneiras. Vou destacar o que me parece o mais importante. Quando setores que passaram a nos governar podem tornar mais vulneráveis nossos ecossistemas e os povos que lá habita (indígenas, ribeirinhos, quilombolas, entre outras comunidades), lembrar das ‘loucuras e crimes das nacionalidades’, com que Euclides conclui sua obra-prima, é lembrar que 20 mil sertanejos, nossos irmãos – como sempre reitera o escritor –, foram massacrados pelo Estado e pelo Exército de nossa jovem República. Isso deveria ser relembrado para que não se justifiquem outros crimes”, completa.

  

Fonte: Jornal do Comércio/Caderno Panorama em 11/03/2019.