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A Casa do Rio Vermelho: Jorge Amado e Zélia Gattai
A Casa do Rio Vermelho: Jorge Amado e Zélia Gattai

MEMORIAL DO RIO VERMELHO

SE FOR DE PAZ, PODE ENTRAR**

 

JORNALISTA DO CORREIO DO POVO RELATA SUAS IMPRESSÕES SOBRE A CASA DE JORGE AMADO E ZÉLIA GATTAI ABERTA HÁ VISITAÇÃO DESDE 2014.

 

NA CASA TOTALMENTE INTERATIVA, OS VISITANTES TÊM A OPORTUNIDADE DE EMBARCAR EM UMA VIAGEM AO UNIVERSO DE JORGE E ZÉLIA.

 

Quando visitei, nos anos 90, as casas museus de Pablo Neruda, no Chile, fiquei impressionada com a vasta e eclética exposição de objetos, que reunia desde sapatos poloneses a insetos e aves emplumadas. Porém, nenhuma delas, ou até mesmo as três juntas, provocaram em mim a emoção e o deslumbramento que vivenciei ao conhecer recentemente o MEMORIAL DO RIO VERMELHO, em Salvador, inaugurado em novembro de 2014, um museu vivo da história de amor e das obras literárias dos escritores Jorge Amado e Zélia Gattai.  Inclusive as cinzas do casal estão jogadas no jardim, próximo aos banquinhos onde sentavam e conversavam, sob uma frondosa mangueira.

 

Na casa totalmente interativa, os visitantes têm a oportunidade de embarcar em uma viagem ao universo de Jorge Amado e Zélia.  Tudo é mágico e bonito.  E assim como o poeta chileno, Jorge era um colecionador indiscriminado, guardava vários tipos de souvenires, de miniaturas de sapos a bonecas russas.  Tudo que lhe encantava, a dupla trazia na bagagem quando viajava, e todos os objetos vindos do exterior fazem parte do acervo do museu, como copos de prata da Sicília, bonecos da Suécia, Rússia, Tailândia, Camboja e China.  No closet, a coleção de boinas, chapéus, óculos e bengalas do escritor, com as suas roupas mais festivas.  Dela, os vestidos mais bonitos, óculos leques, chapéus e luvas.  É este ambiente, “Trocando cartas”, ao meu ver, a parte mais tocante da visita, pois há inúmeras gavetas com as cartas apaixonadas (datilografadas) enviadas por Jorge a Zélia, e vice-versa, quando precisavam ficar longe um do outro.  Muitas delas enviadas de Paris.  Elas são projetadas na parede e lidas por um locutor anônimo, o que deixa até quem não é romântico, emocionado.  Em outro aposento, as inúmeras máquinas de fotografar de Zélia.  Há dezenas de imagens de São Jorge em meio a milhares de peças da arte popular baiana.

 

Quem já leu o livro de Zélia, de 2004.  MEMORIAL DO AMOR, vai se sentir literalmente “em casa”.  “Sobre nossa casa, de Jorge e minha, na rua Alagoinhas, 33, no bairro do Rio Vermelho, muito já se disse, muito se cantou.  Citada em prosa e verso, sobra-me, no entanto, ainda o que dela falar.  Fico pensando se alcançarei escrever todas as histórias, tantas, de gente e de bichos que nela passaram”.  Foi neste endereço que ela viveu por 40 anos com Jorge Amado e onde muitos dos livros do escritor baiano e brasileiro mais conhecido do mundo foram escritos, em uma máquina de escrever que ainda está no local, só que agora com destaque, na sala principal.

 

Mas a história contada ali na casa do Rio Vermelho não se limita à vida dos escritores, que foram casados por 56 anos e tiveram dois filhos, João Jorge e Paloma, mas sim dos personagens dos seus livros, costumes e signos que representavam a identidade da Bahia e que Jorge Amado tão bem apresentou ao mundo todo, em suas centenas de viagens.  Tieta, Teresa Batista, Dona Flor, Gabriela e Nacib e tantos outros estão mergulhados na atmosfera literária que circula entre as paredes da moradia.

 

O Memorial levou 12 anos para ficar pronto, talvez por isso seja tão especial e completo.  Depois de muita espera, recebeu do atual prefeito uma verba adicional de R$ 6 milhões para o encerramento do projeto, que teve a curadoria do renomado arquiteto e designer Gringo Cardia, um gaúcho que se consagra como um artista múltiplo genial.  É dele também a curadoria do Museu da Cruz Vermelha, na Suiça.  Sua varinha mágica criou 17 salas temáticas onde o público tem a chance de ler, ouvir, tocar, ver e sentir a história de vida dos Amado.  Impossível aqui descrever uma a uma, mas destaque para a “Cozinha de Dona Flor”, onde a quituteira da família, Dadá, ensina receitas de iguarias baianas; a sala de visitas, “A amizade é o sal da vida”, onde se vê imagens de quem esteve por lá, como Lev Smarcevski, Betty King, Jack Nicholson, Roman Polansky, José Saramago, Gabriel García Márquez, Pierre Verger, e muitos nomes da arte nacional, como Vinícius de Moraes, Glauber Rocha, Dorival Caymmi, Tom Jobim, João Ubaldo Ribeiro, Nelson Pereira dos Santos e Di Cavalcanti.  “Por aqui já passaram pessoas ilustres e as mais simples, do povo.  Também presidentes da República, intelectuais famosos e muita mãe-de-santo, políticos e o moleque da quitanda”, escreveu Zélia em “Memorial do Amor”.  Em outro quarto, “Os Viajantes”, entre malas e valises, fotografias das inúmeras viagens pelo mundo, como quando Zélia andou de elefante na Tanzânia.  Em um outro espaço, “Muitas Vidas, Tantas Obras”, cantores e atores baianos declamam trechos dos livros de Jorge e, nas varandas, imensas estantes com exemplares com os 45 livros publicados por Jorge, e suas versões traduzidas e editadas em mais de 55 países.

 

PAIXÃO À PRIMEIRA VISTA

 

Zélia Gattai conheceu Jorge Amado em 1945, quando trabalharam juntos no movimento pela anistia dos presos políticos.  Ela tinha 29 anos, era recém-separada e tinha um filho.  Jorge há pouco havia terminado um casamento de 11 anos e tinha uma filha.  Ambos faziam parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB).  Foi uma paixão à primeira vista e poucos meses depois já estavam vivendo juntos.

 

A partir de então, Zélia Gattai trabalhou ao lado do marido, passando a limpo, à máquina, seus originais e o auxiliando no processo de revisão.  Em 1946, com a eleição de Jorge Amado para a Câmara Federal, o casal mudou-se para o Rio de Janeiro, onde nasceu o ilho João Jorge, em 1947.  Um ano depois, com o Partido Comunista declarado ilegal, Jorge Amado perdeu o mandato e a família teve que se exilar.  Viveram em Paris por três anos, período em que Zélia fez os cursos de civilização francesa, fonética e língua francesa – na Sorbonne.  De 1950 a 1952 a família viveu na Checoslováquia, onde nasceu a filha Paloma.  Foi nesse tempo de exílio – que Zélia Gattai começou a fotografar e registrar em imagens todos os momentos importantes da vida do escritor baiano.

 

Em 1963, a família voltou a Salvador e foi morar na Casa do Rio Vermelho, que havia sido comprada em 1961 com o dinheiro recebido pela venda do direito de filmagem de “GABRIELA CRAVO E CANELA” para os estúdios Metro-Goldwyn-Mayer (MGM).  Com o tempo, o casal comprou os imóveis ao redor para ampliá-la e cultivar um jardim.  Tinham também um apartamento em paris, onde passavam alguns meses do ano.

 

Assim que comprou a casa, Jorge Amado chamou os amigos artistas para que o ajudassem na decoração.  O projeto foi do arquiteto Gilbert Chaves, os gradis foram feitos por Mário Cravo e as portas foram gravadas por Calazans Neto.  As portas das salas são do muralista e pintor Hector Julio Páride Bernabó, o Carybé, um fã que se tornou um dos melhores amigos de Jorge, que, ao conhecê-lo, veio da Argentina para viver em Salvador.  Este também pintou os pequenos azulejos em azul e branco que revestem a cama do casal no ambiente “Amores e Amantes”.  Jenner Augusto pintou os basculantes de vidro.  Na parede, há azulejos pintados por Pablo Picasso.

 

 

SALAS TEMÁTICAS

 

*  A Bahia de Jorge Amado

*  A Amizade É o Sal da Vida

*  A infância / Memórias de Dona Lau

*  Os Viajantes

*  Varandas

*  Amores e Amantes

*  Zélia Gattai, Companheira Graças a Deus

*  O Comunista

*  Trocando Cartas

*  Os Amados Sabores de Jorge

*  A Cozinha de Dona Flor

*  Sala de Leitura

*  Muita Vida, Tantas Obras

*  Lago dos Sapos

*  Roda de Conversa sobre Jorge Amado

 

**  Frase na porta de entrada.

 

Fonte:  Correio do Povo/Claudia Moritz (Jornalista) em 14 de maio de 2016.