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Erico Verissimo: Um Diplomata na OEA
Erico Verissimo: Um Diplomata na OEA

ERICO VERISSIMO, UM DIPLOMATA NA OEA

 

Professora da UFRGS e pesquisadora da vida e obra do autor trata da passagem pela Organização nos EUA.

 

Quem leu SOLO DE CLARINETA 1, há de lembrar o capítulo “O mausoléu de mármore”, em que Erico rememora sua estada na Direção do Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana de 1953 a 1956. A política externa brasileira, então, era de alinhamento aos interesses do governo de Dwight Eisenhower (1953-1961), o qual tentava reunir os países latinos em torno do ideal democrático, após a vitória dos Aliados na II Guerra Mundial, temeroso do avanço dos regimes socialistas na América do Sul.

 

Em boa parte das nações do sul do Continente imperavam ditaduras e o povo sofria com a carestia e a falta de políticas públicas, que o ideário da União Soviética atribuía ao capitalismo dominante, entusiasmando as populações oprimidas com o princípio da igualdade social e da luta contra a exploração do trabalho. Havia uma rejeição velada aos governos autoritários, de parte das esquerdas, e uma forte desconfiança nas intenções dos Estados Unidos, que, com o fortalecimento da democracia, prometiam, através do discurso pan-americanista, o bem-estar social desde os anos 40, sem que esse viesse de fato a ocorrer.

 

Embora relutante, em março de 1953, Erico partir para Washington com sua esposa Mafalda e os dois filhos Clarissa e Luis Fernando. Na escala do Rio de Janeiro, almoçou com Amoroso Lima no Jockey Club, que lhe deu uma lista dos funcionário do Departamento, com notas sobre a personalidade e competência de cada um, que muito iriam auxiliá-lo na futura gestão na UPA.

  

A posse do novo diretor foi simples: o então secretário-geral da UPA, Alberto Lleras Camargo, apresentou-o aos colegas de trabalho, sem discursos. A sede da União Pan-Americana era um edifício de mármore branco, na Constitution Avenue, a umas poucas quadras da Casa Branca. Em seu gabinete, Erico pôs-se a ler para o exercício da função e descobriu que deveria supervisionar as divisões e seções do seu Departamento: Educação, Filosofia e Letras, Musica e Artes Visuais, Ciências Sociais e a Biblioteca Colombo, para cumprir os programas que o Conselho Cultural Interamericano lhes havia atribuído. Uma vez por semana devia se apresentar ao secretário-geral e participar das reuniões da Comissão Administrativa.

 

De início, Erico tentou realizar sozinho todo o programa do Departamento, até que se deu conta que trabalhava com um time de especialistas e que entre os mais ou menos 80 funcionários a seu comando havia pessoas altamente qualificadas. Aprendeu a delegar tarefas, além de coordenar atividades e de pacificar ânimos. Cumpria-lhe ainda a defesa, uma vez por ano, ante a Comissão de Finanças da OEA, de seu projeto de orçamento, antes que fosse encaminhado ao Conselho, para não ver suas verbas serem cortadas. 

 

Sua vida no Departamento foi de trabalho duro, mesmo quando a tarefa ou seu objetivo não lhe eram simpáticos. Tinha de estar disponível para viajar pelo país ou pelas outras Américas, em conferências, palestras, congressos, mesas-redondas, seminários, entrevistas, ou simples reuniões político-burocráticas com presidentes de República, embaixadores, representantes da Unesco e comitês de ação cultural no estrangeiro. Além disso, o Departamento de Assuntos Culturais encarregava-se da promoção de eventos de literatura, música e artes visuais, realizando concertos e exposições em que se divulgavam novos talentos latino ou centro-americanos, assim como brasileiros, como Burle-Marx, ou Iberê Camargo.

  

Um dos aspectos mais ignorados de sua atuação na UPA são as conferências de cúpula da OEA de que fez parte, em geral ativa. Seus registros no ALEV indicam que esteve na 10ª Conferência Interamericana de Ministros do Exterior, em Caracas, em 1954; na Conferência Interamericana da Criança, na cidade do Panamá, em 1955; na Conferência patrocinada pelo DAC, em San Juan de Puerto Rico, em março de 1956; na reunião do Conselho Cultural Interamericano, com os ministros da Educação de 21 países-membros, também no mesmo mês, em Lima, Peru, que iria traçar o programa de atividades do DAC para 1957 e 1958.

  

Afora as obrigatórias defesas da política de relações interamericanas na área cultural – em geral cega às reais necessidades dos países-membros da OEA – Erico aproveitou todas as brechas do sistema para expressas suas próprias convicções sobre direitos civis, regimes ditatoriais, cultura, literatura, educação e alfabetização, como comprovam seus discursos preservados no seu Acervo.

 

Em suas atribuições ligadas à difusão do pan-americanismo e da cultura brasileira, constam, em 1953, conferências na Northwestern University e na University of Chicago, em setembro, em Chicago; na Art Alliance, na Philadelphia, em 22 de setembro. Em 1954, em abril, esteve com o Presidente Eisenhower no State College; fez conferência na Universidade de Georgetown e no State College da Pennsylvania; em novembro, na Universidade de Miami, deu classes e história e literatura, e fez duas palestras na Universidade de Cincinatti. No mesmo ano, excursionou a Albuquerque, Tucson, Los Angeles, San Francisco, Berkeley, Oakland, Eugene, Seattle, Denver, Colorado Springs, Kansas e St. Louis. Em 1955, esteve em outubro em 14 universidades do sul estadunidense: Virgínia, North Carolina, Tennessee, Alabama e Florida; fez um programa de televisão em espanhol, para todo o continente. Em 1956, fez uma conferência na Casa de La Cultura, em Quito, Equador; em março, uma palestra no Chevy Chase’s Women’s Club, em Montgomery, no dia 22; em Washington e em North Carolina, sobre Machado de Assis; na Philadelphia, sobre Euclides da Cunha, para executivos da Bell Company.

 

Uma das tônicas nessas ocasiões era sua preocupação em esclarecer a situação latino-americana e o clima revolucionário e antiamericano que parecia despontar ali. Em diversos países, como a Argentina de Perón (1955-1973), a Colômbia de Rojas Pinilla (1953-1957) e o Brasil de Getúlio Vargas (1951-1954), governavam regimes autoritários, de cunho populista. Erico ponderava que, se havia suspeita de revoluções, elas se enraizavam nas condições ainda feudais predominantes na maioria das nações latino-americanas, apesar da fachada de cultura, constituições antissonantes e declaração de princípios. E acusava pressões internacionais de grandes empresas comerciais e trustes, na maioria estadunidenses, que tinham investimentos na América Latina. Na sua opinião, essas companhias preferiam um ditador que garantisse suas propriedades e interesses e honrasse seus contratos a um governo revolucionário demasiado radical ou até “cor-de-rosa”. Ele, porém, afiançava que é muito melhor uma democracia defeituosa que uma ditadura “benevolente” e que o único meio de alcançar a democracia plena é por intermédio dessas defeituosa.

 

A carga de trabalho e a responsabilidade, entretanto, se tornaram pesadas demais. Não conseguia escrever uma linha do último volume da trilogia. Em maio de 1956, Erico comunicou ao então secretário-geral, José Mora, que deixaria a UPA em setembro daquele ano. Procuraram dissuadi-lo, mas foi em vão. Ele estivera à testa do Departamento de Assuntos Culturais por três anos e cinco meses. Sua avaliação desse período não foi otimista. Em suas memórias de 1973, ele levantou questões ainda hoje pertinentes, quanto à inoperância, ao emperramento burocrático e a falta de vontade política da OEA, que servem para outros órgãos multilaterais, profusos em reuniões e acordos, que em nada diminuíram a animosidade entre os países, a defesa dos próprios interesses, e os conflitos armados ao redor do globo.

  

Fonte: Correio do Povo/CS Caderno de Sábado/Maria da Glória Bordini (Professora PPG-Letras/Ufrgs/CNPq) em 13/10/2018