Dentro de todos nós existe um Dostoiévski
Hoje vou contar para vocês sobre o maior escritor de todos os tempos: Fiódor Dostoiévski! O escritor americano Charles Bukowski afirmou em seu livro: “Um bom escritor nasce a cada 500 anos no mundo, eu não sou um desses”.
De fato, como escritor, concordo e digo também que não sou um desses e vou além. Acredito que há cada cinco mil anos nasce um bom escritor, um Dostoiévski.
Conto para você que Dostoiévski foi como um mago passeando na profundidade das características humanas, como um arqueólogo que tem paciência para trabalhar minuciosamente sob a terra, até encontrar um vaso raro. Os olhos dele foram muito perspicazes, quando pesquisava a personalidade de uma pessoa, analisava, até mesmo, os mínimos e pequenos detalhes. Quando ele começou a fazer comentários das atitudes das pessoas, o comportamento manifesto ficou apagado perante a descrição do comportamento psicológico. Ele descreveu esse comportamento de maneira brilhante. Não existe outro escritor como ele, nenhum outro comentou de forma tão abrangente sobre a natureza da vida e dos humanos.
Então, o que o fez tão grandioso? Você nunca pensou sobre isso? Será que foi a própria vida dele oscilando a cada momento para um lado? Ou quando ele era um jovem intelectual e foi levado para a Sibéria, algemado pelos pés, com pessoas pobres, que recebeu a inspiração para tal feito?
Eu penso que o que o fez grandioso foi o fato dele ser aluno da vida, ele podia ver a alma dos humanos e a analisou com uma habilidade objetiva e perspicaz. Ele mantinha um relacionamento de respeito com os seres humanos e aprendeu com cada um. Antes mesmo de escrever “Crime e Castigo”, em “Recordações da Casa dos Mortos”, podemos ver o poderoso gênio com sua perspicácia. Ele afirmou nesse livro: “ Eu sou aluno dos castigados remadores”.
Ele nasceu em 1821, o pai dele era um médico e a mãe, filha de comerciantes.
Ele teve a semente da doença epilepsia plantada em sua vida. Nós podemos ver isso nos seus livros, por exemplo, em “Os Irmãos Karamazov”, o herói Smierdiakóv tem epilepsia. Essa doença quando surge é como uma fechadura cuja chave é difícil de encontrar.
Dostoiévski foi preso pela polícia, condenado à pena de morte, ficou meses sozinho numa cela, na qual pensou sobre a morte. Depois ele analisou a experiência em seu livro “ Crime e Castigo”. Quando ele foi exilado para a ampla Sibéria, teve seu primeiro contato com a vida difícil da miséria, compreendeu que antes conhecia essa realidade do povo apenas intelectualmente.
Em algumas situações, a pessoa aceita parecer estúpida só para observar melhor o comportamento de outros sem que estes suspeitem da sua observação. Os outros pensam que são mais inteligentes e exploram você, como se fosse uma pessoa burra, mas, certamente, se o seu comportamento é feito com bondade e emoção, você não age assim por falta de inteligência.
Dostoiévski contou sobre isso: “Quando eu vim para a prisão não tinha muito dinheiro, mas dei dinheiro para quem o pedia – eu não tinha tempo nem para respirar de tantos pedidos. Alguns presos pensaram que eu não os reconheceria e pediam pela segunda e terceira vez e, mesmo assim, eu dei algum dinheiro para eles. Eu os reconhecia, sim, mas não queria ofendê-los. Eles pensaram que me colocaram numa gaiola com suas mentiras e malícias, contudo, tenho certeza que se eu não tivesse dado dinheiro para eles e os mandado embora, não teriam me respeitado mais. A despeito da zanga que fiquei, não poderia ter deixado de dar para eles o que eles pediam”.
Agindo dessa forma, o escritor russo foi desvelando cada vez mais e melhor a alma humana e ao iniciar esse caminho observou que até mesmo aqueles que não têm educação, como humanos, possuem na sua alma delicadeza e profundidade.
“A evolução da alma não tem medida. A educação também não tem medida. Apesar das controvérsias, encontrei as mais delicadas almas nas pessoas mais miseráveis, pobres e ignorantes. Às vezes você despreza alguém, como um animal, uma pessoa que você conhece há alguns anos, mas chega o momento em que a alma dessa mesma pessoa se abre para o mundo e você pode conhecer o tesouro, a sensibilidade que vive dentro dela, quando o seu coração tem empatia pelo sofrimento de outras pessoas. Alguns têm muita educação mais a alma é violenta, então, você pode questionar qual é o benefício da educação”
Com esses dizeres, minha amiga: Dostoiévski nos leva para uma viagem até a profundidade da alma humana. Não fizemos isso na vida, ignoramos pessoas, pensamos que somos maiores do que todos! Sempre estamos rotulando e classificando em categorias: pessoas educadas, sem educação, com cultura, sem cultura… Mas que absurdo! Existe uma pessoa na terra sem cultura? Cultura é tudo que a humanidade criou.
De acordo com nossas idéias não vale a pena escutar alguém sem educação, pensamos que não existe nada para aprender deles. Então, por que fazemos competição com eles, como meninos, por exemplo, que competem para ver quem lança o xixi mais longe?
Você nunca foi um aluno da vida, você sempre gostou de dizer que entende e sabe de tudo, eu não gosto disso. Isso nos leva a uma competição inútil, vazia. Eu desdenho o conhecimento, ele é apenas uma pequena ferramenta na vida e não é tudo.
Sempre damos a razão a nós próprios e nos achamos mais inteligentes e espertos do que os outros. Muitas vezes, quando alguém diz algo importante, não escutamos. Se não pudermos mudar essa atitude, nunca vamos chegar na maturidade.
De acordo com críticos literários, o romance “Os Irmãos Karamazov”, é o melhor de todos os tempos. Dostoiévski , nesse livro, expôs toda sujeira da alma humana e dela foi capaz de extrair jóias brilhantes. O pai Karamazov, nesse mesmo livro, era pouco intelectual, pouco astuto, e tinha uma paixão cega. A despeito de amar muito o dinheiro, dava milhares de quantias financeiras a sua amante, só para ver a expressão dela ao receber o presente. Era tão asqueroso que queria a noiva do seu próprio filho. Ele era conhecido como pessoa ruim, mas tinha bondade também, como todos nós. No livro “Crime e Castigo”, o escritor contou sobre a maldade, como os seres humanos sofrem pela sua própria consciência, sofrem mais, muitas vezes, pela sua própria consciência do que por receber uma punição efetiva dada por outrem.
A expressão poderosa que demonstramos no nosso convívio social é uma casca, dentro de nós existe miséria, muitas vezes. Em certos casos, alguém que nos parece humilde, possui um herói dentro dele mesmo. Esse alguém com aparência tão humilde manifesta comportamentos admiráveis, atitudes dignas dos grandes heróis.
Você também se sente poderoso, não é? Vive como quem tem uma missão importante, confia muito em você mesmo com relação a vida e se compara com os outros, pensa que sai vencendo sempre. No entanto, o fundamental não é esta missão que você acredita desfrutar, mas a missão que a vida trará para você realizar. Você ainda não conhece você mesmo, não viajou para dentro de sua própria alma, mas pensa que dando uma pequena olhadela, pode analisar e conhecer todo mundo, não é mesmo, minha amiga?
Se não fosse assim, você não encheria o peito contra as dificuldades da vida. Sempre você escolhe o caminho mais fácil e escapa do que lhe parece difícil na vida e, fugindo dessa forma, fica ainda mais distante de sua essência. Agora é uma pessoa incapaz, vivendo no seu passado mortal, mas não esqueça: você não é o pássaro Fênix que renasce das cinzas! Não poderá renascer de suas cinzas! Você esta com medo de perder e não sabe que justamente aquilo que ganhou é o que esta te matando. Você acha que o ser humano nasceu para comprar uma casa, um carro, comer e fazer um futuro para seus filhos. Esse é o sentido da vida para você. Aceita facilmente que se colocar no banco mais dinheiro, vai ficar mais feliz… Ao pensar assim não reflete sobre o fato do ser humano vir fazendo isso há milhares de anos.
Quando você esta falando, nem olha para quem o escuta. Você discursa seriamente sobre os segredos do mundo, embora quando os outros falem, você olhe mais para as paredes do que presta atenção no que lhe contam. Afinal, você acredita que nada pode aprender dos outros. Você dá um riso falso, olha os outros com superioridade.
Meu pobre amigo, você viu! Nós todos na realidade usamos nossas máscaras de poder, mas quando as retiramos somos os mesmos pobres homens. Quando a máscara cai, nós vemos nosso fim. Nós todos somos fracos, embora pensando que somos poderosos. Nós poderemos nos salvar somente buscando dentro de nós aonde nos aprisionamos, e libertando-nos da cela, retirarmos as algemas, decidirmos sair livres.
Na realidade nós todos temos um Dostoiévski dentro de nós, mas talvez nunca saibamos disso e nosso ar termine, como uma vela que se apaga apesar do ar tentar alimentá-la. Mas a vela ainda dá luz para todos os lados, enquanto nós nos acabamos, antes de iluminar qualquer lado. Acorde seu Dostoiévski, ele esta escondido dentro de você mesmo embora você sempre o tenha temido. Foi por isso que você empobreceu, mas você pode encontrá-lo.
Todo mundo tem dentro de si um Dostoiévski, eu estou procurando o meu…
Erol Anar em 11 de março de 2001
SOBRE O AUTOR
Erol Anar nasceu em Havza na Turquia, estudou em cursos de antropologia, história da arte e pintura em universidades de Istambul, Ancara e Samsun. Foi membro da Associação dos Escritores Turcos, trabalhou no Centro de Arte Contemporânea de Ancara onde foi orientador de leitura da obra de Dostoievski e da literatura universal durante dez anos. Ganhou premios. Escreveu em diversos jornais, vários artigos foram sobre arte, direitos humanos, literatura e a vida cotidiana. Ainda teve entrevistas veiculadas em jornais de diversos países e tem 15 livros publicados no idioma turco.2 Deles foram traduzidos para português.