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Prêmio Nobel de Literatura 2019 — Nobel Duplo
Prêmio Nobel de Literatura 2019 — Nobel Duplo

NOBEL DUPLO PARA PETER HANDKE E OLGA TOKARCZUK

 

São três as consequências mais comuns de um Prêmio Nobel na vida e na obra de um escritor. Há o reconhecimento de um autor que continua fazendo seu grande trabalho em seu melhor momento (foi o que aconteceu com J.M. Coetzee em 2003, por exemplo). Há o resgate de um autor que está por aí há tanto tempo que ninguém mais apostava que ele teria chances (como Doris Lessing, em 2007). E há a elevação de um autor que não era conhecido por mais do que um punhado de leitores interessados. Em seu anúncio duplo dos ganhadores de 2018 e 2019, ontem, a Academia Sueca resgatou o controverso austríaco Peter Handke e chamou a atenção mundial para a qualidade da literatura da polonesa Olga Tokarczuk. Saiba mais sobre os dois vencedores.

 

 

O GIGANTE CONTROVERSO

 

Por sua obra, Peter Handke é um dos autores de língua alemã mais influentes pós-Segunda Guerra. Por suas opiniões políticas, é um dos mais controversos, alvo de rejeição horrorizada por seu apoio ao nacionalismo genocida sérvio durante a Guerra da Bósnia. Sua premiação como Nobel de 2019 não apenas chamará a atenção para o trabalho de um autor que já foi popular na segunda metade do século 20 como reacenderá as eternas discussões sobre a validade da obra de um artista diante dos melindres de sua biografia.

 

Handke publicou sua primeira obra em 1966, AS VESPAS, antes de se tornar famoso com O MEDO DO GOLEIRO DIANTE DO PÊNALTI, em 1970, adaptado para o cinema por Wim Wenders, com quem o escritor colaborou como roteirista não só de suas adaptações, mas do clássico ASAS DO DESEJO (1987).

 

No Brasil, Handke foi publicado com regularidade, mas de forma dispersa. A Brasiliense o apresentou ao público brasileiro em 1985, reunindo duas novelas em um único volume, A MULHER CANHOTA e BREVE CARTA PARA UM LONGO ADEUS, ambos traduzidos por Lya Luft, que também verteu, para a Rocco, o romance A AUSÊNCIA (1987).

- Um de seus livros tem um título muito bonito: BREVE CARTA PARA UM LONGO ADEUS. É uma história psicológica interessante de um homem que viaja procurando pela ex-mulher. É um pouco simbólico, um pouco sobre quem procura por um mito – recorda Lya.

 

mais recentemente, ele vem sendo editado no Brasil pela Estação Liberdade, que já lançou DON JUAN (Narrado por ele mesmo) e PERDA DA IMAGEM ou ATRAVÉS DA SIERRA DE GREDOS e promete ainda para este ano O ENSAIO DO MANÍACO DOS COGUMELOS.

 

A REVELAÇÃO VERSÁTIL

 

Olga Tokarczuk deveria ter sido anunciada em 2018 como o Nobel, se um escândalo sexual envolvendo o marido de uma graduada integrante da Academia Sueca não tivesse levado à renúncia de alguns dos acadêmicos e a uma lavação de roupa suja que cancelou o anúncio e o transferiu para agora. É importante notar que, diferentemente do que houve em 1904 (com Frédéric MistraL E José Echegaray) e em 1917 (com Henrik Pontoppidan e Karl Adolph Gjellerup), este não é um Nobel concedido a dois autores, são dois prêmios diversos, apenas anunciados no mesmo ano. Olga é a Nobel de 2018. Handke, o de 2019.

 

Olga é a 15ª mulher a receber o Nobel de Literatura desde a criação do prêmio, em 1901. A justificativa da Academia Sueca é de que o prêmio foi entregue a ela por “sua imaginação narrativa que, com uma paixão enciclopédica, simboliza a passagem de fronteiras como forma de vida”. Ela também simboliza o oposto de Handke, o Nobel deste ano. Se Handke é um partidário da extrema-direita que tinha boas relações com o líder genocida sérvio Slobodan Milosevic, Olga é feminista, militante ecológica e uma crítica contundente do atual governo nacionalista conservador da Polônia.

 

Aos 57 anos, a autora é considerada um destaque de sua geração em seu país e já foi traduzida para mais de 25 idiomas. Sua obra vai do conto filosófico ao romance policial de tom ecológico, passando por um romance histórico de 900 páginas, OS LIVROS DE JACÓ (2014).

 

No Brasil, um de seus principais romances, OS VAGANTES, foi editado em 2010, pela Tinta Negra, e hoje está fora de catálogo. A Todavia lança em breve o romance SOBRE OS OSSOS DOS MORTOS.

 

Fonte: Jornal Zero Hora/Segundo Caderno/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) em 11/10/19

  

UM PRÊMIO PARA CRUZAR FRONTEIRAS

 

Um ano depois, o Prêmio Nobel de Literatura de 2018 foi concedido na manhã de ontem (10/10) pela Academia Sueca à escritora Olga Tokarczuk. Assim, a língua polonesa chega ao seu quinto Nobel, e Tokarczuk entra no seleto grupo de Henryk Sienkiewicz (1905), Wladyslaw Reymont (1924), Czeslaw Milosz (1980) e Wystawa Szymborska (1996), fenômeno que recolocou a poesia no ranking dos mais vendidos.

 

Nascida em Sulechów, no oeste da Polônia, em 1962, Olga Tokarczuk graduou-se em Psicologia pela Universidade de Varsóvia. Trabalhou como terapeuta até a ficção ocupar espaço vital no seu trabalho. Debutou na literatura como poeta em 1989, momento crucial da história do país, que experimentava uma eleição livre pela primeira vez, após a Segunda Guerra, e se reinventava com a queda da Cortina de Ferro. Em 1993, estreia na prosa, com PODRÓZ LUDZI KSIEGI (VIAGEM DO POVO DO LIVRO), obra que lhe deu visibilidade e definiu seu gosto por usar a literatura para dar voz a personagens ou situações errantes, que revelam uma natureza anormal, monstruosa e até repulsiva.

 

Desde que a Polônia experimentou pela primeira vez o dissabor da inexistência como Estado independente, no fim do século 18, a literatura no idioma polonês exerceu continuamente função essencial para a sobrevivência da sua identidade cultural. Hoje, quando comemoramos o Nobel concedido a Olga Tokarczuk, a situação da República da Polônia é outra. A nação de 38 milhões de habitantes tem economia estável, investimentos estrangeiros e uma crescente e visível melhora no campo da infraestrutura. Entretanto, tendo em vista as políticas do governo atual – sem deixar de lado seu alinhamento com a Igreja Católica e os valores nacionalistas –, paira sobre os poloneses atmosfera sem empatia com as minorias sociais (em especial imigrantes e grupos LGBT+), o que já fez do país alvo de críticas do Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2017. Nesse contexto, os holofotes do Nobel se voltam para Olga Tokarczuk, uma crítica do governo, uma escritora que instiga a considerar caminhos alternativos e tudo aquilo que desvia da norma.

 

Fonte: Jornal Zero Hora/Segundo Caderno/Tiago Halewicz/Diretor Cultural da Casamundi em 11/10/19