MODERNIDADE LÍQUIDA
UM PROJETO ESTÉTICO
As circunstâncias que nos cercam, as pessoas as quais nos ligamos e nos desligamos (ou somos desligados) estão sempre mudando. Oportunidades e ameaças fluem ou flutuam no ar, vêm, voltam. O aspecto da liquidez, incapacidade de reter sua forma por muito tempo e sua propensão a mudar de forma sob a influência de mínimas, fracas e ligeiras pressões é condição sine qua non para entender o universo do sociólogo polonês Zygmunt Bauman: a Modernidade Líquida.
A Modernidade Líquida representa a diluição do ideário universalista da Modernidade, que traz acima de tudo o conceito de progresso, considerado tanto em nível material como teológico e moral. Segundo Bauman, o projeto original da Modernidade, que pretendia ser um esforço único e uma revisão definitiva do mundo não incluía a possibilidade da “modernização” tornar-se uma compulsão e obsessão, uma forma permanente de vida em nossa época.
Aos 90 anos, o sociólogo construiu em torno da sua teoria da modernidade líquida um pensamento sólido e transparente. Tudo ao nosso redor é líquido, volátil e transitório; Nada é feito para durar mais do que 140 caracteres ou uma curtida. Vivemos sob a tirania do aqui e agora.
Os contos de alguma maneira carregam as marcas da liquidez: quando o ser humano se despersonaliza e adquire o estatuto de coisa a ser com sumida, para, em seguida, ser descartada por outra, quando esta figura se cansa do uso continuado do objeto “homem”, facilmente reposto por modelos similares. Esse processo imerso no oceano da indiferença existencial, é a característica por excelência da ideia de “vida líquida” problematizada por Bauman, uma vida precária, em condições de incerteza constante.
Neste contexto, passamos a vida em busca da segurança, de estratégias de defesa eficazes, fugindo do “lixo humano” – excluídos do consumo – e com medo de sermos os próximos a ser lançados no aterro. Ou seja, a nossa cultura é a do lixo, do descartável imediatamente, sem causar grandes transtornos.
Os sites de futilidades, revistas e programas de TV ditam o ritmo sobre o que nós temos que fazer, comprar, ler, trocar, vender e jogar fora. Essa sociedade se parece com Leônia, a cidade invisível, de Italo Calvino onde “(...) mais que as coisas que a cada dia são fabricadas, vendidas e compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas que a cada dia são jogadas fora para dar lugar às novas.” Desapega, diz o comercial. Eis a síntese da verdadeira paixão do nosso mundo líquido: jogar fora.
No mundo virtual o que realmente importa, em especial para as gerações mais novas – homens e mulheres de 18 a 30 anos – é, a todo instante, remodelar a identidade a partir do instante em que surge uma necessidade (ou, na verdade, um capricho) de refazê-la, ou quando se suspeita que essa necessidade já tenha surgido. Ela agora deve ser descartável; uma identidade insatisfatória, ou não suficientemente satisfatória, ou uma identidade que denuncia a idade avançada, deve ser abandonada. É o eu-sujeito biodegradável.
Numa sociedade marcada pela ansiedade e pela incapacidade de realizar uma experiência profunda de felicidade, a fome consumista surge como uma forma compensatória do indivíduo com seguir um mínimo de prazer na sua vida cotidiana. Existe um desejo, um frenesi em entrar e permanecer no grupo VIP a todo custo.
Esse mundo líquido em constante movimento, talvez você não se dê conta, nos arrasta pela correnteza nessa viagem, felizes ou tristes. Cabe, como diz Foucault, a cada um criar o seu itinerário de vida: aceitar, jogado na poltrona da sala com o celular na mão, colaborando com a acumulação de incertezas e fragilidades; ou contestar com palavras, resistir contra o que o mundo nos força a seguir de modo obediente. Eu já levantei da poltrona.
Fonte: Correio do Povo/Caderno de Sábado/Rodrigo Celente (Mestre em Escrita Criativa-PUCRS) em 20 de fevereiro de 2016.