OS ÚLTIMOS ESCRITOS
LIVRO PÓSTUMO DE EDUARDO GALEANO, “O CAÇADOR DE HISTÓRIAS” REVELA UM ESCRITOR QUE REFLETIA SOBRE OS SEUS TEMAS E LEGADO.
A obra de Eduardo Galeano finalmente está completa. Pouco mais de ano após sua morte, o escritor uruguaio tem seu último livro publicado. Finalizado em 2014, O CAÇADOR DE HISTÓRIAS finalmente chega às livrarias, aprofundando temas pelos quais o autor era conhecido, mas também surpreendendo os leitores ao apresentar lembranças de sua trajetória e reflexões sobre o fim da vida.
Composto de textos curtos, que raramente superam uma página, o volume flerta com diferentes tipos de narrativa, como microcontos, fábulas, memórias e divagações. Apesar da variedade de estilos, o volume não é um compilado de anotações esparsas reunidas postumamente. Em nota introdutória ao livro, o editor argentino de Galeano, Carlos E. Díaz, esclarece que O CAÇADOR DE HISTÓRIAS havia sido finalizado pelo autor antes que se agravasse o câncer que o levaria à morte, em 13 de abril de 2015. A família demoveu o escritor de lançar a obra para não fatigá-lo.
Além dos textos previstos por Galeano, entraram no novo livro alguns trabalhos curtos que ele preparava para um futuro livro, ao qual se referia como RABISCOS. Assim, O CAÇADOR DE HISTÓRIAS deve esgotar os papéis deixados pelo escritor, terminando com expectativas de mais edições póstumas.
- Eduardo escrevia o tempo todo, sem parar – conta o tradutor Eric Nepomuceno, amigo do autor e responsável pela versão para o português de O CAÇADOR DE HISTÓRIAS.
TRADIÇÃO ORAL E REALIDADE SOCIAL DA AMÉRICA LATINA
Lançado no Brasil pela L&PM Editores, o livro póstumo retoma questões que estiveram presentes ao longo de outros trabalhos de Galeano. Estão lá releituras da tradição oral latino-americana, reflexões sobre a realidade social do continente e debates sobre futebol.
- Sinto como se Eduardo soubesse que estava indo embora e quisesse deixar uma espécie de resumo de toda a sua obra – diz Nepomuceno.
Há espaço também para novidades no livro. Tradutor dos trabalhos de Galeano desde 1974, quando versou para o português o conto O MONSTRO MEU AMIGO, Nepomuceno alerta que O CAÇADOR DE HISTÓRIAS trabalha temas que não tiveram tanto peso em obras anteriores, como a proximidade da morte. Há, inclusive, relatos pessoais, nos quais o escritor narra seus primeiros deslumbramentos pela criação literária, alguns em conversas com o autor Juan Carlos Onetti (1909 – 1994).
- É um livro extremamente pessoal. Eduardo revela, com tremenda carga poética, aspectos de sua alma que até agora estavam reservados às pessoas da sua intimidade – diz Nepomuceno.
Trata-se do testamento literário de um autor que parecia consciente de seu fim próximo, mas comprometido até os últimos dias com seu ofício literário. Ao final, o escritor se despede com um poema navajo, que afirma: “Ao longo de um caminho de beleza / que em beleza termine”.
LEIA 3 PEQUENOS CONTOS DE “O CAÇADOR DE HISTÓRIAS’
Diagnóstico da Civilização
Em algum lugar de alguma selva, alguém comentou: “Como os civilizados são esquisitos. Todos têm relógio e ninguém tem tempo”.
Portas Fechadas
Em agosto de 2004, um centro comercial de Assunção do Paraguai pegou fogo. Houve trezentos e noventa e seis mortos. A porta estava trancada para que ninguém escapasse sem pagar a conta.
A Chuva
Entre todas as músicas do mundo e do céu, entre todas as que escuto cá de cima ou lá de baixo, escolho o concerto para chuva solo. Ouço como em uma missa, toda vez que ela se deixa ouvir na claraboia da minha casa.
Fonte: ZeroHora/Segundo Caderno/Alexandre Lucchese (alexandre.lucchese@zerohora.com.br) em 31 de maio de 2016.