LITERATURA CONTRA EFEITO SÉPIA – PARTE 4
POR UM LIBERALISMO COMUNITÁRIO
ENTREVISTA COM HÈLÉNE STROHL
Funcionária de carreira dos altos escalões da burocracia social francesa, formada na prestigiosa e incontornável Escola Nacional de Administração (ENA) e inspetora das relações Sociais, Hélène Strohl conhece as entranhas da administração do seu país. Autora de “O Estado Social Não Funciona Mais”, ela disseca, em “O Conformismo dos Intelectuais”, os “altos funcionários, a tribo das tribos”.
O Estado do Bem-Estar Social francês faliu?
O modelo do Estado social francês é essencialmente de redistribuição para baio de rendas médias e altas por meio de contribuições diferenciadas conforme os ganhos de cada um. É um modelo de solidariedade nacional baseado unicamente no perfil socioeconômico dos indivíduos e das suas necessidades. Não leva em consideração as capacidades das pessoas nem a solidariedade de proximidade, local, comunitária, de base. Em razão disso, esse modelo só pode avançar exigindo contribuições cada vez mais elevadas. A longo prazo, um modelo assim está condenado à falência.
É possível, na França um Estado leve, eficaz e capaz de prestar os serviços esperados pelos cidadãos?
Atualmente, na França, o sistema social é burocrático e um grande consumidor de recursos na administração da máquina e na redistribuição. Tudo é lento e pesado: a instrução das demandas das pessoas, o controle das declarações, enfim. Trata-se de um sistema individualista e igualitário cujas condições de acesso são extremamente diversificadas e complicadas, ainda mais que está baseado nas situações profissionais e familiares das pessoas que, nos dias de hoje, são bastante flutuantes em relação à estabilidade dos séculos passados. Para ter um sistema de solidariedade mais ágil, leve e eficaz, capaz de prestar os serviços esperados pelas pessoas, precisaria uma organização bastante descentralizada e uma lógica comunitária em lugar da individualista. É importante recorrer à autogestão e à colaboração. Estamos bem distantes disso. Em todo caso, o monopólio da intervenção do Estado explica, em grande parte, a inércia burocrática do nosso sistema social.
A França está conseguindo redimensionar o papel do Estado na vida cotidiana da sociedade?
Infelizmente a França não está adiantada nisso. Ela foi pioneira no que se refere ao sistema social da modernidade, baseado no igualitarismo e no individualismo, mas, hoje, quando a revitalização das diversas formas de solidariedade passa por um recuo do Estado em relação ao papel das coletividades locais, das comunidades, as nossas elites se agarram a um modelo ultrapassado, o modelo do Estado do Bem-Estar Social. O papel do Estado não está sendo redimensionado nem reinventado. Em contrapartida, crescem novas formas de solidariedade e de colaboração fora do Estado. São formas de generosidade associativa, cada vez menos institucionais, que ocorrem por ocasião de acontecimentos trágicos ou outros. Essas novas formas de compartilhamento (coworking, carona solidária, etc.) mostram que existe um potencial de solidariedade freado pelo modelo social da modernidade ressurgindo fortemente. Nesse sentido, a sociedade está inovando e seria muito importante que os políticos, os analistas sociais, os altos funcionários e a mídia, saindo do isolamento onde costumam viver, compreendessem o que está acontecendo de inovador um pouco por toda parte.
Fonte: Correio do Povo/caderno de Sábado/Juremir Machado da Silva em 05 de setembro de 2015.