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Umberto Eco: por Jerônimo Teixeira
Umberto Eco: por Jerônimo Teixeira

ENTRE O MONGE E O SUPER-HERÓI

 

Autor do best-seller O NOME DA ROSA, o italiano Umberto Eco conjugava o estudo detido da arte, da filosofia e da literatura com o interesse vivo pelo barulho da cultura de massa.

 

Quando terminei O NOME DA ROSA, pensei em fazer uma pequena edição caprichada de 3000 ou 4000 exemplares. Aí meu editor leu o romance e percebeu que o livro poderia ter outro alcance – e o resto é história”, relatou Umberto Eco em entrevista a VEJA, em 2015. Eis, resumidamente, o resto da história: publicado em 1980, esse improvável romance de detetive ambientado em um mosteiro no século XIV tornou-se um best-seller internacional, com milhões de exemplares vendidos. Eco, professor da Universidade de Bolonha e já então um intelectual reputado nos campos da crítica cultural, da semiologia e do medievalismo, viu-se convertido em um escritor de fama mundial. Publicaria outros seis romances, mas é no ensaio – sobre temas que vão de São Tomás de Aquino à turma de Snoopy – que ele foi mais prolífico, com mais de trinta títulos publicados. Embora tenha se definido certa feita como um acadêmico que escreve romances no fim de semana, Eco não foi jamais um diletante. A facilidade com que se movia entre James Joyce e o Super-Homem (não o de Nietzsche, mas o dos quadrinhos) era embasada no estudo sério desses temas. Umberto Eco morreu em decorrência de câncer, numa sexta-feira 19 de fevereiro de 2016, aos 84 anos, na casa que dividia com a mulher e 30.000 livros, em Milão.

 

Nascido em 1932, em Alessandria, no noroeste da Itália, Eco viveu a primeira infância sob a sombra do fascismo. Quando contava inocentes 10 anos, foi vencedor, em sua província, de u concurso de redação. O tema proposto: “Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?”. “Minha resposta foi positiva. Eu era um garoto esperto”, lembrou o autor em um ensaio publicado em 1995 no The New York Review of Books. A anedota biográfica servia como introdução a um ensaio em que Eco elencava características fundamentais ao fascismo – entre elas, a “obsessão pela trama”: a ideia de que todos os eventos históricos são conduzidos por concluíos secretos. O estranho poder de convencimento das teorias conspiratórias foi um interesse de longo curso de Umberto Eco. Em SEIS PASSEIOS PELOS BOSQUES DA FICÇÃO, por exemplo, ele examina os possíveis antepassados literários dos PROTOCOLOS DOS SÁBIOS DE SIÃO, a famosa falsificação que ajudou a atiçar o antissemitismo europeu – incluindo sua versão mais monstruosa, o nazismo. Na ficção, o tema das sociedades secretas domina O PÊNDULO DE FOUCAULT; O CEMITÉRIO DE PRAGA também trata dos PROTOCOLOS; e NÚMERO ZERO, o último romance de Eco, põe em cena um jornalista italiano que tenta provar a tese de que Mussolini não foi morto em 1945. Eco, por vias sinuosas, foi um antecessor do Dan Brown de O CÓDIGO DA VINCI. Chegou a dizer, com fino humor, que Brown era um personagem seu. Diferença fundamental: o autor americano leva suas teorias conspiratórias a sério.

 

A ficção de Eco, inclusive nessa exploração de irmandades secretas e sociedades arcanas, é tributária da obra do argentino Jorge Luis Borges, homenageado (com certo toque sinistro) na figura do monge cego Jorge de Burgos, em O NOME DA ROSA. Seu modo de compor histórias a partir do cruzamento de uma profusão de alusões e citações literárias obscuras (e eventualmente fajutas) é muito calcado nos contos de Borges. Eco usou esses recursos em prol de um formato talvez não mais acessível, mas, de certo modo, mais leve: seus livros são diversão de alta qualidade.

 

Em 2015, ao receber um título na Universidade de Torino, Eco levantou um estardalhaço ao dizer que a internet deu voz a multidões de imbecis. Como o próprio autor explicaria em entrevista a VEJA, ele limitou-se a pontuar o fato inegável de que, nas redes sociais, muitos falam livremente de assuntos que desconhecem. Eco pedia apenas critério e discernimento no uso dos novos meios. O autor, afinal, sempre demonstrou um vivo e inquieto interesse pela cultura de massa, que observava sem afetação nem esnobismo. Nunca foi, porém, um promotor da indistinção pós-moderna entre todas as formas de cultura. Nada, em sua obra, sugere que Flash Gordon ombreia com a DIVINA COMÉDIA. Eco apenas ensina que a apreciação dos clássicos sai enriquecida, e não esvaziada, do diálogo com obras de consumo ligeiro. “Uma das primeiras e mais nobres funções das coisas pouco sérias é lançar uma sombra de desconfiança sobre as coisas demasiado sérias”, dizia o escritor na introdução de DIÁRIO MÍNIMO. O mundo fica mais sério sem Umberto Eco.

 

Fonte; Revista VEJA/Jerônimo Teixeira em 02/03/2016.