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John dos Passos, Romancista Norte-Americano
John dos Passos, Romancista Norte-Americano

A LIÇÃO DE JOHN DOS PASSOS

 

O romancista norte-americano John dos Passos influenciou vários escritores brasileiros.

 

John dos Passos, nascido em Chicago em 1896, dá nome a um avião da TAP (Transportes Aéreos Portugueses), justa homenagem ao filho bastardo de um rico advogado de ascendência portuguesa, que, viúvo, casaria com a amante e assumiria a paternidade do futuro escritor.

 

Homem do ano, capa da revista TIME em 1936, também jornalista e pintor, John dos Passos lançara quatro anos antes NINETEEN NINETEEN; ou 1919, seu título no Brasil. Ambientado na Primeira Guerra Mundial, seu personagem solar foi inspirado no presidente americano Woodrow Wilson, um entusiasta do conflito, que fecha o romance entregando um buquê de papoulas ao cadáver de um soldado.

 

O autor militava, então, nas hostes da esquerda e era amigo de outras referências literárias, entre as quais Ernest Hemingway, com quem trabalhou dirigindo ambulâncias naquele conflito.

 

Mas, ao contrário do amigo, a quem escreveu uma carta pouco antes do gesto extremo, em 1961, Dos Passos migrou para a direita, acompanhando a outra face do mundo em que vivia. Hemingway escreveu-lhe lamentando a guinada, não tanto por discordar do amigo, mas por antever os métodos da esquerda sectária: “Eles vão fazer de tudo para acabar com você”. Fizeram de tudo, mas é difícil apagar um escritor com obra a suntentá-lo. O tempo não registrou a obra dos anuladores.

 

Nunca será demasiado lembrar a quem escreve que a submissão ideológica não resulta em boa coisa para escritores e leitores. Quando partidários de alguma ideologia, para escritores o melhor a fazer por ela é ser verdadeiro e autêntico consigo mesmo, mantendo a independência intelectual, condição indispensável para evitar o rebaixamento na qualidade da obra. Os deserdados da Terra precisam da solidariedade e da independência dos criadores, por vezes de sua autocrítica, mas jamais de sua submissão aos poderes epocais.

 

John dos Passos influenciou vários escritores brasileiros, a começar por Oswald de Andrade e pelos gaúchos, que talvez tenham sido os primeiros a lê-lo e a serem influenciados por ele, como Erico Verissimo e outros daqueles anos, e Juremir machado da Silva e Liberato Vieira da Cunha, entre os mais recentes. De algum modo, os citados procedem de modo semelhante ao que o americano fez em sua trilogia, de que 1919 é o segundo volume, completada com PARALELO 42 e DINHEIRO GRAÚDO, bom título para THE BIG MONEY.

 

Eles têm personagens solares em suas obras, cujas observações espelham ideias e sentimentos de seus criadores, sem contar outros vínculos com John dos Passos, como o fato de alguns deles o terem conhecido pessoalmente e serem também jornalistas e tradutores, como o foi o americano. Com exceção de Erico Verissimo, com seu tempo centrado em escrever e em traduzir, os outros sempre militaram no jornalismo, como ainda o faz Liberato Vieira da Cunha e suas crônicas ou manifestos cumprem o objetivo tão bem definido por Walter Galvani, autor do esplêndido NAU CAPITÂNIA (Prêmio Casa de las Américas), que diz ser o cronista a gaivota que voltará do mergulho com um peixe. Um, aliás, não mais do que um, por tratar-se de narrativa curta. E porque, tentando o cronista pegar muitos assuntos em texto tão curto, poderá voltar sem nenhum, semelhando uma gaivota por demais afoita e sem objetivo claro definido.

 

Savage, um dos personagens referenciais de 1919 vive longe do pai quando menino, estuda em Harvard, dedica-se a escrever poemas, viaja para a França e para a Itália e luta na Primeira Guerra Mundial dirigindo ambulâncias. Tal como Dos Passos fez com o seu Savage, os citados procuram ambientar suas histórias em contextos que conhecem bem e, ao tipificar seus personagens, dão-lhes características observadas em conhecidos dos autores, às vezes até mesmo parentes próximos ou amigos.

 

Edmund Wilson observou que os leitores se identificavam facilmente com os personagens de 1919, juízos reforçados também por Jean-Paul Sartre e por Blaise Cendrars. Todos acharam que 1919 superava em muito o primeiro romance da trilogia: “quatro vezes melhor do que PARALELO 42, que já era muito bom”, disse Hemingway.

 

John dos Passos veio três vezes ao Brasil: em 1948, em 1958 e em 1962. Ficou bem impressionado com JK, com Gilberto Freyre e com Niemeyer, de quem disse: “Comunista e contribuinte do Partido, ele desenha com o mesmo entusiasmo igrejas, clubes de iatismo, cassinos e alojamentos para trabalhadores”.

 

Os parágrafos seguintes de Dos Passos poderiam ser assinados por qualquer de seus influenciadores brasileiros: “Maria era uma mulher pálida, de grandes olhos muito separados, rodeados por flácidas olheiras azuladas, trajando um vestido rosa enrugado apertando os seios”. “Ele era capaz de ir para a cadeia por ter ajudado a seu semelhante”.

 

Completa 63 anos a primeira tradução de 1919 para o português, feita 14 anos depois do lançamento, cujo estilo marcou os escritores de após-guerra, preocupados com os rumos de suas nações e do mundo. Hoje, ganharam hegemonia aqueles que fizeram de seu umbigo o assunto principal.

 

Fonte: Correio do Povo/CS/Deonísio da Silva/escritor em 16/03/2019