STEPHEN KING RETORNA COM HORROR EM FAMÍLIA
Novamente em alta, com obras continuamente adaptadas para as telas, mestre veterano do terror literário lança romance em parceria com o filho.
LIVRO: BELAS ADORMECIDAS – Stephen King e Owen King – Tradução de Regiane Winarski - Suma das letras – 728 páginas.
- Minha mulher achou o manuscrito na lata de lixo. Leu e me entregou de volta. Pediu que eu não desistisse daquela história, porque era muito boa.
O manuscrito era um esboço de CARRIE, A ESTRANHA, e quem conta o episódio é o escritor americano Stephen King, 70 anos, que já vendeu mais de 400 milhões de livros no mundo. CARRIE foi o primeiro que lançou, em 1974. A importância na vida do autor de Tabitha Spruce, com quem King está casado há 46 anos, surgiu em um encontro com jornalistas estrangeiros na sede da editora Simon & Schuster. Mulheres foram o assunto durante grande parte das respostas de King. Ele escreveu, com o filho caçula, Owen, 40, o livro BELAS ADORMECIDAS, que será lançado no Brasil nesta semana.
- Um dia perguntei a meu pai o que achava da ideia de um livro em que, num dia qualquer, as mulheres do mundo não acordassem. Eu queria que ele escrevesse, ele se recusou. Ficamos com a ideia nos rondando por um tempo e então veio a ideia de escrevermos juntos. Mas não tínhamos ainda personagens, era só uma ideia engraçada.
Owen é interrompido por King: a história não é bem assim.
- Owen já tinha uma coisa bem mais formatada, que é a combinação da ideia das mulheres que não acordam com o cenário de uma prisão feminina – explica o autor.
De bom humor e ar jovial, King morde um palito de dente, algo que continuou fazendo durante a entrevista inteira – ele tinha alguns palitos no bolso de sua camisa.
MICROCOSMO TEMÁTICO
Como em praticamente todos os seus 56 romances e mais de 200 contos, a ação se passa numa cidadezinha. Esta se chama Dooling.
- Pensamos também em colocar a prisão numa cidade pequena, porque aprendi que um microcosmo reflete o macrocosmo. Você pode usar um lugar pequeno para falar de tudo – justifica King.
Com a carreira bem-sucedida, agora marcada entre sua estreia co CARRIE, livro sobre uma garota paranormal que sofre bullying, e as mulheres em apuros de BELAS ADORMECIDAS, King fala muito sobre a presença feminina em sua vida. Ele foi criado pela mãe. Quando tinha dois anos, seu pai saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou. King insiste que foi exatamente assim, sem inventar a situação que lembra piada recorrente. Ela não queria que o menino ficasse estigmatizado como filho de mãe solteira. Então mandou que ele respondesse a quem perguntasse que o pai estava na Marinha:
- Minha mãe tinha cinco irmãs e todas estavam por perto o tempo todo. Quando comecei a publicar livros, vi que as mulheres eram aquelas que faziam as coisas acontecerem nas editoras. Encontrei grandes profissionais . Sempre convivi bem com as mulheres, me sinto confortável trabalhando com mulheres e escrevendo sobre elas.
BELAS ADORMECIDAS mostra as mulheres pegando no sono e não despertando mais. Fios crescem rapidamente de seus cabelos e formam casulos em torno de suas cabeças. Os homens se revoltam com a situação, em desdobramentos violentos e desesperados.
A dupla de autores ri diante da pergunta: seria possível escrever um livro em que os homens caíssem no sono eterno e deixassem as mulheres sozinhas na Terra?
- Improvável – responde Owen.
King pega mais pesado:
- Impossível. Vejo os homens agressivos, confrontadores. Veja Donald Trump e o ditador da Coreia do Norte. Uma briga louca de machos alfa. Se todos os homens dormissem, acho que as mulheres trabalhariam muito bem juntas. Não haveria confronto, não haveria história.
OBRAS DO INÍCIO DA CARREIRA EM NOVAS EDIÇÕES
BELAS ADORMECIDAS chega às lojas em um momento de grande popularidade do escritor. King sempre esteve em alta, com livros marcantes adaptados para o cinema, como ILUMINADO e CARRIE, mas seu atual momento pop de deve a IT: A COISA, baseado no livro de 1986, que estreou em setembro e quebrou o recorde de bilheteria para um longa de terror. King também teve adaptado de sua obra o recente fiasco A TORRE NEGRA, com Idris Elba, e a peça de câmara JOGOS PERIGOSOS, com Carla Gugino, que está na Netflix.
Mas foi IT, o longa, que de fato turbinou seu nome outra vez. Só no Brasil, como efeito do filme, o livro teve aumento de vendas de 290%, entre janeiro e setembro do ano passado, segundo a editora Suma de Letras, que publica a obra no país. Ao todo, livros de King na Suma também tiveram aumento nas vendas de 40% nos mesmos períodos. BELAS ADORMECIDAS terá lançamento simultâneo com os EUA, algo nem sempre possível.
O mesmo selo Suma de Letras também deu início à Biblioteca Stephen King com três volumes. A proposta é reimprimir os livros mais destacados do escritor, com tratamento visual diferenciado, de capa dura, e inclusão de material inédito. Os volumes iniciais são O ILUMINADO (lançado originalmente em 1977), CUJO (1981) e A HORA DO LOBISOMEM (1983). O quarto volume da coleção, A INCENDIÁRIA (1980), sai no próximo ano.
Críticas como a do New York Times não aprovaram a parceria entre Stephen e Owen - “prosa irreconhecível”. Regiane Winarski, fã do autor que já traduziu outras sete obras dele, como o próprio IT e JOYLAND, diz não ter estranhado, mas admite que pode ser perceptível o peso da escrita a quatro mãos. Ela confessa também que o novo livro não é o tradicional King, o que mais chamou sua atenção foi um autor mais “bonzinho”:
- Ele às vezes é cruel com os personagens, mata sem pena, mas nesse não está tão sangrento.
Já acostumada com a escrita do autor, Winarski revela que o principal desafio sempre é adaptar para o português a linguagem coloquial e cheia de palavrões. Outro tradutor de King, Érico Assis, concorda.
- Ele tem um jeito particular de usar adjetivos de ênfase e palavrões, que acaba caracterizando e dizendo muito sobre cada personagem – explica.
É de Érico a tradução de CREEPSHOW, que chega às lojas no fim de outubro pela editora Darkside. A obra é uma graphic novel criada em 1982 pelo ilustrador Bernie Wrightson com base no roteiro do filme de mesmo nome, escrito e estrelado por King, que reúne alguns contos de terror do autor.
Além de ter que fazer jus ao texto, a versão brasileira chega pouco tempo após a morte de Wrightson, em janeiro. Assis define o projeto como uma “honra e um desafio”.
- Como em qualquer tradução de HQ, tenho que me ater a palavras e desenhos, entender como se relacionam no original – explica. - Fiz isso em CREEPSHOW, mas como havia mais texto do que num quadrinho contemporâneo, minha atenção maior foi ao estilo, que mistura tom de gibi das antigas e prosa stephenkinguiana.
Para celebrar os 70 anos de King, completados em 21 de setembro, a Darkside relançou ainda o livro STEPHEN KING – A BIOGRAFIA: CORAÇÃO ASSOMBRADO, de Lisa Rogak, numa edição especial para colecionadores.
Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno em 18/10/2017