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José Eduardo Agualusa: Fronteiras do Pensamento
José Eduardo Agualusa: Fronteiras do Pensamento

A SALVAÇÃO ESTÁ NAS BIBLIOTECAS

 

José Eduardo Agualusa, autor de romances históricos sobre a experiência colonial portuguesa, fala sobre o papel da arte no Fronteiras do Pensamento.

 

O papel da arte e da literatura na transformação da sociedade deve ser a tônica da conferência de hoje (6 de agosto) no Fronteiras do Pensamento. Às19h45min, no Salão de Atos da UFRGS, o escritor José Eduardo Agualusa profere uma palestra em que abordará sua ficção, mas também deve levantar questões sobre a realidade atual do Brasil e do mundo.

- Neste momento, no Brasil, as pessoas estão muito preocupadas com o que está acontecendo, social e politicamente, então procuram respostas. Mas, às vezes, não há respostas. A grande arte não é dar respostas, mas saber colocar as questões – afirma Agualusa, em entrevista por telefone, antes da vinda para o Brasil.

 

Nascido em Angola, Agualusa cresceu em Portugal, onde iniciou a carreira literária no final dos anos 1980. Com mais de duas dezenas de livros publicados, entre romances e volumes de contos, o escritor usa a ficção para abordar a formação das nações africanas e as tensões atuais de suas sociedades, tratando também da influência de Portugal e do Brasil nesses processos.

 

O mais recente romance de Agualusa é A SOCIEDADE DOS SONHADORES INVOLUNTÁRIOS (2017), inspirado no episódio conhecido em Angola como 15+2, de 2015. Na ocasião, 15 rapazes e duas meninas foram detidos por lerem e discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Entre eles, estava o rapper Luaty Beirão, que se tornou uma das personalidades mais conhecidas na luta contra a permanência de José Eduardo dos Santos no poder. Santos foi chefe de estado por 38 anos, de 1979 a 2017.

 

Para Agualusa, a importância de Lauty na luta de Angola pela democracia é uma prova de que o papel da arte é também gerar debates e mudanças políticas e sociais:

- No caso de Angola, as famílias om dinheiro, de uma forma geral, eram ligadas de alguma forma ao partido político que está no poder. Luaty vem de uma dessas famílias, mas rompe com a própria herança familiar e se aproxima do povo. Por meio da música, ele saiu do condomínio se aproximou da favela.

 

O escritor participou, na semana passada, de uma conferência do Fonteiras do Pensamento em Salvador, na Bahia. Na palestra, afirmou que tanto Angola como o Brasil estão com a “democracia ameaçada”. Para ele, a promoção da leitura e a criação de boas redes de bibliotecas públicas pode ajudar os países subdesenvolvidos a superar suas contradições e conflitos. Atualmente, o escritor mora na cidade Ilha de Moçambique, onde pretende montar uma biblioteca para acesso universal a partir de seu acervo.

- A longo prazo, quero transferir minha biblioteca para a Ilha de Moçambique. Gostaria de um dia poder abrir esse espaço aos habitantes da ilha, sobretudo aos jovens, pois há falta de livros. O desenvolvimento está ligado à leitura. Não é por acaso que os países mais desenvolvidos são aqueles onde se lê mais. A luta contra o subdesenvolvimento passa pela criação de boas redes de bibliotecas públicas – avalia o autor.

 

ENTREVISTA

 

O CLIMA DO BRASIL HOJE ME ASSUSTA

 

Convidado do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, o angolano José Eduardo Agualusa lançou no a no passado o romance A SOCIEDADE DOS SONHADORES INVOLUNTÁRIOS. O livro trata da juventude que luta para ampliar a democracia em Angola, mas também aborda o papel dos sonhos no cotidiano. Nesta entrevista, concedida por telefone, o autor trata dos principais temas do romance e avalia a situação atual do Brasil, que julga estar em um clima de “pré-guerra civil”.

 

 

Seu livro mais recente, A SOCIEDADE DOS SONHADORES INVOLUNTÁRIOS, tem como inspiração o episódio do 15 + 2, em que 17 ativistas fora presos em Angola por militarem em nome da democracia. Para o senhor, qual é a importância da arte e da literatura nas transformações políticas e sociais?

A função da arte é também fazer pensar, promover debates, elevar pensamento a outro nível. Arte não é a mesma coisa que divertimento. No Brasil isso é muito claro. Todo o movimento de democratização do Brasil contou com a participação de artistas.

 

 

Uma das personagens do romance cresceu em um condomínio de luxo, chegando à idade adulta sem saber qual era a realidade vivida pela maior parte dos habitantes de Angola. Como crescer nesse tipo de ambiente pode impactar a formação de um jovem?

Um aspecto curioso, no caso angolano, é que essas redes de condomínio foram em grande parte construídas por empresas brasileiras. Há um modelo brasileiro, o pior modelo de moradia, que infelizmente foi exportado para Angola pelas grandes construtoras. O Brasil já exportou, inclusive para Angola, coisas melhores. Por conta disso, as novas gerações das famílias angolanas próximas ao poder, com mais poder econômico, crescem completamente alienadas, com uma ignorância profunda a respeito do país.

Esses jovens realmente não sabem o que é Angola. Mas é interessante como alguns conseguem romper com esse ambiente, como Luaty Beirão, rapper e ativista político que se aproximou do povo pela música.

 

 

 

O senhor já publicou livros ambientados no Brasil, bem como viaja e discute sobre o passado e a situação atual do país. Qual é sua avaliação sobre o momento?

O Brasil se radicalizou muito. Há posições muito extremadas, que me lembra a situação em Angola logo após a guerra civil, em que houve uma grande divisão da sociedade. As pessoas passaram a se odiar mutuamente, impedindo a emergência de um pensamento diferente. O clima que o Brasil vive hoje me assusta muito. Vejo todos os dias gente bloqueando pessoas nas redes sociais. Pessoas que eram amigas deixam de se falar. É uma coisa terrível bloquear alguém simplesmente porque pensa diferente. Isso faz com que as pessoas se movimentem em um círculo de pensamento único. A maior virtude da democracia é que, de duas opiniões diferentes em confronto, possa surgir uma ideia melhor. Se ninguém está sequer disposto a ouvir o outro, estamos a caminho de um clima de pré-guerra civil. Isso é muito perigoso.

 

 

A falta de diálogo vista nas redes pode gerar conflitos maiores?

Os fazedores de guerra sabem muito bem que a primeira coisa que precisa ser feita para criar um inimigo é dar ao outro a ideia de que esse inimigo não é bem uma pessoa. Ou seja, você desumaniza o outro, tira dele o direito a uma identidade. Estamos vendo isso acontecer agora no Brasil.

 

 

O senhor costuma dizer que ditadores não leem romances. Por quê?

Tenho uma ideia de que, quando você lê um romance, você se coloca na pele do outro. É um exercício de empatia. Alguém que tenha desenvolvido esse músculo da empatia dificilmente toma posições de domínio em relação ao outro. Por isso acho difícil que um torturador ou um grande ditador tenha o hábito de ler romances.

 

 

É conhecida a influência do neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro para a criação de A SOCIEDADE DOS SONHADORES INVOLUNTÁRIOS. Como se deu esse processo?

O livro é uma homenagem aos jovens democratas angolanos, mas também resultado de uma série de conversas que tive com Sidarta Ribeiro, que tem a ver com o papel do sonho no cotidiano das pessoas. O Sidarta aponta que, há milênios, durante a evolução do homem, o sonho teve um papel concreto. Se o sujeito sonhasse que havia um leão próximo a um rio, tomaria mais cuidado da próxima vez que fosse até um rio. O sonho é uma criação de modelos de realidade. Se você tem os pais muito velhos e começa a sonhar com a morte deles, está na verdade se preparando para esse evento. Sonhar nos prepara para o confronto com a realidade.

 

FRONTEIRAS DO PENSAMENTO – PALESTRA

 

AGUALUSA FAZ ELOGIO OTIMISTA À LITERATURA

 

Escritor nascido em Angola destacou o poder da ficção para mudar mentalidades e alertou para o perigo da polarização.

 

José Eduardo Agualusa levou otimismo e confiança para o palco do Fronteiras do Pensamento na noite de segunda-feira (6 agosto). Com o Salão de Atos da UFRGS lotado, o escritor português (angolano de nascimento) proferiu uma palestra que definiu como um “elogio à leitura”.

- Acredito que a leitura pode mudar o mundo. A leitura da grande ficção universal tem o poder de nos tornar melhores e de aproximar as pessoas – afirmou o autor, que tem mais de duas dezenas de livros publicados.

 

Agualusa ressaltou a importância das manifestações culturais e literárias para a criação de um movimento nacionalista na Angola dos anos 1940 e 1950. Escritores como Viriato da Cruz, Ernesto Lara e António Jacinto seriam personalidades que ilustram esse processo.

 

Mais recentemente, em 2015, a leitura também ganhou destaque no processo de democratização do país, quando um grupo de jovens ativistas foi preso por ler e discutir um livro sobre métodos pacíficos de protesto, sob a acusação de prepararem um golpe de Estado. Fotos dos detidos lendo romances de Agualusa e de mais autores locais circulam pelo país. Além disso, um dos principais líderes do grupo, Luaty Beirão, já era conhecido por sua trajetória como rapper.

- A literatura tem papel importante nesse processo recente em Angola, desenvolvendo a empatia, promovendo o debate, ajudando cada um a se encontrar no coração do outro – avaliou Agualusa.

 

A FICÇÃO AJUDA A CRIAR PONTES

 

O conferencista não se restringiu a tratar da importância da leitura em sua terra natal. Ao citar o presidente americano Donald Trump, apontou que ler ficção é um exercício de alteridade, capaz de “criar pontes” em uma sociedade que está cada vez mais marcada pela “construção de muros”.

- Trump é um homem que vê a si próprio como construtor de muros. É difícil imaginar Trump lendo o que quer que seja, a não ser os tuítes que ele mesmo escreve. Não consigo vê-lo, por exemplo, lendo CEM ANOS DE SOLIDÃO. Não acho que pessoas como Trump sejam irrecuperáveis para a humanidade. Na verdade, não acho que alguém seja irrecuperável. Mas acredito que muitos precisam ir para campos de reeducação literária. No caso de Trump, antes disso, seria preciso ir à escola primária – provocou Agualusa, arrancando risos da plateia.

 

Questionado sobre o momento de polarização política do Brasil, Agualusa afirmou estar preocupado com o destino do país. Para ele, semelhante falta de diálogo entre polos de pensamento marcou os momentos que antecederam a guerra civil que viu ocorrer em Angola. No entanto, o escritor afirmou não haver espaço para recair na melancolia ou no pessimismo:

- Países como Angola ou Brasil, com democracias ainda não consolidadas, ou com democracias ameaçadas, socialmente divididos, precisam investir no diálogo, no debate, em tudo o que facilite e promova o reconhecimento do outro. A literatura, como venho insistindo, pode ajudar nesse processo. O grande desafio de nossos países é levar os livros à maioria da população.

 

Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno/Alexandre Lucchese (alexandre.lucchese@zerohora.com.br) em 06/08/2018 e 08/08/2018