A ESCRITORA ANÔNIMA
Notícia é aquilo que alguém quer esconder, definiu Bob Woodward, um dos jornalistas responsáveis pela divulgação do Caso Watergate e pela derrubada do presidente norte-americano Richard Nixon. Pois seguindo por essa linha da reportagem investigativa, o jornalista Claudio Gatti resolveu desvendar um mistério que intrigava o mundo literário: a identidade da escritora italiana Elena Ferrante, best-seller mundial desde os anos 1990, quando suas obras se espalharam pela Europa e pelos Estados Unidos. A autora de UM ESTRANHO AMOR, que inclusive virou filme, sempre fez questão de se manter no anonimato, sob o pretexto de que o importante para os leitores era a sua obra e não a sua identidade. Nunca deu autógrafos nem se deixou fotografar. Apenas seus editores sabiam que Ferrante, como agora revelou o repórter em reportagem publicada por jornais e revistas de vários países, é o pseudônimo da tradutora Anita Raja, casada com o escritor italiano Domenico Starnone. Um estudo comparativo da Universidade La Sapienza, de Roma, já havia identificado vestígios do estilo de Starnone nos livros de Ferrante.
O que Gatti fez foi comprovar, por meio do rastreamento das contas bancárias e de compras de imóveis feitas pelo casal, a coincidência entre os investimentos e os ganhos autorais. Acabou o mistério e instaurou-se uma polêmica: teria o jornalista o direito de invadir dessa forma a privacidade de uma escritora que tentava apenas proteger sua identidade? O próprio Gatti justifica:
- É uma figura pública, vendeu milhões de livros e seus leitores têm o direito de saber sobre a pessoa que os escreveu.
Mas a revolta é grande. A editora protestou, outros escritores se solidarizaram com a autora e os leitores das obras de Ferrante se dividiram entre a indignação e a aceitação. Mesmo aqueles que tinham muita curiosidade para conhecer a identidade da autora agora criticam a intromissão do jornalista.
Usar pseudônimo não é novidade no mundo literário. Muitos escritores famosos já o fizeram, alguns para se proteger de represálias por suas obras, outros por simples capricho. Jornalistas também apelavam com frequência para esse recurso, até o momento em que começaram a se conscientizar de que é antiético enganar o leitor. Infelizmente, alguns ainda caem na tentação de vez em quando.
O italiano Gatti até pode ter cruzado a fronteira da intimidade, mas, pelo menos, assinou a reportagem com o seu verdadeiro nome.
Fonte: ZeroHora / Nílson Souza / nilson.souza@zerohora.com.br em 07/10/2016.