FILME TURCO ECOA O REGIME DE ERDOGAN
Longa do diretor Nuri Bilge Ceylan, A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS apresenta a inquietação de um jovem com o país
Filme: Drama, 188min, Turquia/Macedônia/França/Alemanha/Bulgária, 2018, 12 anos.
O término das mais de três horas de projeção de A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS ficamos com duas perguntas sem resposta pronta: sobre o que é o filme e qual é a história? A proposta de cinema do diretor turco Nuri Bilge Ceylan, como já sabem seus admiradores, estira a temporalidade não apenas no sentido da longa minutagem. O tempo, em suas narrativas, é menos uma medida de que um sentimento, e o cineasta transmite isso por meio de duas situações, a espera e a transformação.
No centro de A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS está Sinan, jovem de vinte e poucos anos que não quer repetir o papel dos mais velhos nem sabe como escapar do lugar predestinado. Do primeiro ao último plano ele aparece sozinho, aguardando, no início, o transporte em que retorna para casa após concluir a universidade, ao final, realizando um esforço físico intenso.
Entre estas duas imagens, o personagem vagueia e, sobretudo, discute. As cenas de diálogos são tão extensas que podem fatigar quem espera muita ação. Ação, nos filmes de Ceylan, não é algo físico, mas não deixa de acontecer na forma de embates orais, daí a importância que ele dá à palavra.
O conflito principal em A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS é entre ideias e expectativas. Isso se expressa na forma escrita do livro que Sinan tenta publicar e nas discussões que ele tem ao buscar recursos para tirar o texto da gaveta. A situação o leva a encontros com um político, um escritor e um funcionário público, figuras que o escutam com paciência, mas os diálogos tendem a se converter em batalhas.
O vício do pai em apostas e o sofrimento calado da mãe frente à submersão do marido é outro motivo que Ceylan explora nas cenas domésticas em que expõe valores familiares e personagens paralisados.
O breve reencontro com uma garota que ama e um longo passeio com dois religiosos completam esta jornada que não é só de um herói. O indivíduo que seguimos incessantemente é também o fio que desvenda como política e religião controlam a sociedade turca, hoje presa do regime autoritário de Recep Erdogan.
A imersão quase panteísta na natureza, grande força do cinema do diretor, aparece nas perambulações de Sinan e, em particular, na passagem das estações. Assim, vemos um tempo que avança e contra o qual os personagens nada podem. O tempo íntimo também não espera e a juventude cheia de vontades de Sinan não sabe se abraça a revolta ou se acata uma ordem que parece ser eterna.
Fonte: Jornal Zero Hora/Segundo Caderno/C´[assio Starling Carlos/Folhapress em 08/07/19