GÊNEROS
Robert McKee, segundo ele mesmo, é o Aristóteles do nosso tempo. Mentor de roteiristas, novelistas, documentaristas e diretores, McKee é também o nominado roteirista do excepcional ADAPTATION e um apaixonado pelos princípios de estrutura e estilo, que define como a “verdadeira arte de contar histórias”. Mais de 100 mil pessoas já passaram pelos seus workshops. O mais famoso, STORY, virou o livro que é considerado a bíblia dos roteiristas em Hollywood. Trata-se de uma poderosa receita.
Aliás, não canso de me admirar com a capacidade americana de criar receitas. Métodos, tudo o que nós, brasileiros, gênios criativos deveríamos aprender, pois, verdade seja dita, nossa falta de rigor, fantasiada de espontaneidade, muitas vezes mais atrapalha do que ajuda.
Há algum tempo, justamente na tentativa de domar minha arrogância e aprender (by the book) fui estudar os GÊNEROS com McKee.
Segundo ele, a primeira tarefa do autor é identificar que tipo de história vai contar; ou seja, qual o gênero irá guiar sua criatividade. Depois de detalhar e aprofundar cada um dos quatro gêneros principais: romance, comédia, suspense e ação, McKee nos guiou como um mago por co binações híbridas e finalmente para o clímax de sua narrativa com uma grande revelação: o público não mais se satisfaz com os gêneros originais e já assimilou uma nova forma narrativa que combinou todos eles em um novo modelo: “the grand long form” (a grande longa duração).
Na virada do século, a “arte de contar histórias” deu um salto quando canais como HBO passaram a investir em produções autorais, histórias carregadas de ressonância emocional, personagens politicamente incorretos e assuntos que fugiam do senso comum.
Segundo McKee, a construção de um personagem pode ser medida a partir de seus arcos de contradição. “Hamlet (W.Shakespeare) sempre foi meu exemplo preferido”, disse, “mas foi desbancado pelo grande Tony Soprano (THE SOPRANOS), que também perdeu para o multifacetado Walter White (BREAKING BAD)”.
Ao ouvir semelhante heresia, desconfortáveis, alguns se acomodaram na cadeira. McKee sorriu e contra-atacou: “Ah! Temos conservadores na classe! Pois saibam que uma das mais importantes funções do artista é registrar o seu tempo”! E sentenciou:
“Somente na ‘grand long form’, temos o tempo necessário para que um personagem revele todas as suas contradições, manifestadas a partir de situações extremas e do relacionamento com outros personagens”.
Me apaixonei pelas séries americanas quando descobri SIX FEET UNDER, escrita por Alan Ball para HBO. Six Feet me arrebatou de tal forma, que me sentia parte da trama, praticamente vivendo com os Fisher durante o pouco tempo que levei para devorar as temporadas. Me emocionava com a história, com a estética, mas sobretudo com a coragem da série.
Só havia experimentado tamanha emoção, antes, quando assisti a AMARCORD pela primeira vez numa matiné do cine Vogue e, mais recentemente, voltei a experimentá-la quando descobri TRANSPARENT (Amazon Prime), um verdadeiro chute no estômago.
Mas sobre a trans Maura e outros tipos de gêneros, só vou contar na próxima coluna.
Ou seria no próximo episódio?
Fonte: ZeroHora/Flavia Moraes/Cineasta ( flaviamoraesdirector@gmail.com) em 30/07/2017.