DRAMA QUERIDO MENINO ABORDA O VÍCIO SEM TOM MORALIZANTE
Os dramas de família agravados por doenças, vícios e mortes Acumularam tantas indicações e vitórias nas dezenas de entregas do Oscar que causa estranheza a ausência de QUERIDO MENINO na disputa deste ano. Um jovem consumido pelas drogas e um pai amoroso que faz tudo para salvar o filho é uma combinação de tema grave com emoções fortes que a Academia sempre valorizou.
Apesar de seguir a fórmula de filme de Oscar, o longa dirigido pelo belga Felix van Groeningen também se diferencia desse tipo de drama intenso que, depois de algum tempo, confundimos com centenas de outros. A temporalidade não linear ´r o primeiro aspecto que distingue o filme em cartaz nos cinemas.
A narrativa por meio de fragmentos desordenados do presente e de fases do passado revela características importantes da personalidade de Nic (Timothée Chalamet) e nos leva a reconstruir o personagem e suas fissuras como num quebra-cabeças. O mesmo procedimento agrega camadas à figura do jornalista David Sheff (Steve Carell), que se esforça para compreender racionalmente os mecanismos da dependência do filho enquanto é arrastado pelas emoções duras.
O equilíbrio entre sobriedade e picos de descontrole nos desempenhos de Chalamet e Carell impede o longa de cair na vala comum dos dramalhões. A contenção também atrai o interesse mais para o relevo psicológico do drama do que só para a qualidade das performances.
Tais cautelas levam QUERIDO MENINO a se distinguir no nicho das histórias de vício, que, com frequência, tropeçam na mensagem moralizante. Alcoolismo, drogas ou dependências químicas e físicas costumam ser tratadas pelo cinema apenas de ângulos negativos, como abismos que consomem os personagens.
A distância que Groeningen toma do material original, as memórias reais de Nic e David Scheff, introduz nuances nesse padrão. O mais relevante é o espaço dado à dimensão prazerosa da droga, algo que os filmes tendem anular quando priorizam as desordens e a destrutividade da dependência.
Sem apelar para a óbvia sensorialidade psicodélica, as cenas que traduzem a “viagem” química revelam como o prazer é fundamental para entender a experiência. Sem ele, as tentativas de retratar as drogas ou os vícios têm o mesmo efeito.
Fonte: Zero Hora/Caderno Fíndi/Cássio Starling Carlos/Folhapress em 03/03/2019