Translate this Page




ONLINE
96





Partilhe esta Página

                                            

            

 

 


De Cabeça Erguida: de Emmanuelle Bercot
De Cabeça Erguida: de Emmanuelle Bercot

“DE CABEÇA ERGUIDA”  FILME DE EMMANUELLE BERCOT

 

“QUIS SER FIEL À REALIDADE”. 

A atriz, diretora e roteirista francesa Emmanuelle Bercot causou frisson no Festival de Cannes deste ano:  DE CABEÇA ERGUIDA, escrito e dirigido por ela, abriu o evento – a única mulher que teve essa honra antes foi a conterrânea Diane Kurys, com UM HOMME AMOUREUX, em 1987; já por Mon Roi, que protagoniza ao lado de Vincent Cassel, Emmanuelle levou o prêmio de interpretação feminina da competição.  Além de escrever o roteiro do sucesso internacional Polissia (2011), a artista também atuou nesse comovente retrato do cotidiano de um grupo de policiais que atende casos de violência doméstica e abuso infantil, dirigido por Maïwenn – com quem voltou a trabalhar em Mon Roi.

 

DE CABEÇA ERGUIDA, Emmanuelle dirige novamente Catherine Deneuve, estrela de seu longa anterior, Ela Vai (2013).  No filme, a eterna bela da tarde vive uma juíza que acompanha o jovem Malony (Rod Paradot) da infância à maioridade, lutando ao lado de um assistente social (Benoît Magimel) para que o garoto não sucumba à marginalidade.  Emmanuelle Bercot veio em junho ao Brasil, acompanhando DE CABEÇA ERGUIDA no Festival Varilux de Cinema Francês.  Na entrevista a seguir, ela falou sobre seu potente drama de corte socumental.

 

 

Como vocês encontraram Rod Paradot (o jovem protagonista)?

Foi durante o que chamamos de “casting selvagem”.  Procuramos atores nas ruas e nas escolas.  Rod foi encontrado em um liceu profissional, na periferia de Paris.  Ele estava em um ateliê  de formação em alvenaria.  Tinha 18 anos quando filmamos, apesar de não parecer.  Rod  foi escolhido justamente por isso:  como eu não queria mudar de ator para fazer o personagem dos 13 aos 18 anos, ele tinha que ser convincente aparentando todas essas idades.

 

 

Como fez Rod expressar tanta intensidade, e até raiva, em cena?

Foi difícil para mim e para ele, porque ele é muito diferente do personagem.  Em geral, quando se escala um jovem não profissional, pede-se que seja ele mesmo na frente da câmera.  Nesse caso, o pedido foi para que fizesse um personagem distante dele mesmo.  Isso resultou em muitos conflitos, tive que pressioná-lo para que ele fosse para dentro do personagem, e não o contrário.  Fui dura com ele para que pudesse amar o personagem através dele.

 

 

Você aborda o tema da infância desajustada com sensibilidade e delicadeza extremas.

Minha ideia era ser fiel à realidade, ao que se passa dentro dessas instituições.  Procurei uma abordagem muito documental em todas as cenas do filme.  Mas, além de mostrar a realidade, eu queria passar uma mensagem de amor, dizer que o amor resolve tudo no final.

 

 

No Brasil, discute-se atualmente a redução da maioridade penal, e DE CABEÇA ERGUIDA vem ao encontro desse debate.  Esse assunto está em pauta na França?

Na França, a maioridade penal começa com 18 anos.  Até essa idade, a justiça é aplicada de uma maneira particular, como mostrada no filme.  A pena é dividida por dois em relação aos adultos.  Mas, a partir de 16, o menor já pode ir preso, como também se pode ver em DE CABEÇA ERGUIDA.

 

 

Como trabalhou na construção da personagem de Catherine Deneuve?

Nós nos conhecemos bem porque tínhamos acabado de fazer um filme juntas.  Não tivemos que falar muito.  Escrevi o papel pensando nela, porque sabia que ela seria perfeita.  Ela possui duas coisas que eram importantes para o personagem:  tem uma autoridade natural e ao mesmo tempo possui um caráter muito maternal.  Catherine passou vários dias dentro de escritórios de juízes para ver como eles falam, como se dirigem aos jovens e às famílias.

 

 

Foi preciso muito ensaio para homogeneizar o trabalho dos atores experientes e não profissionais?

Em todos os filmes que faço misturo atores profissionais com não profissionais, já tenho experiência nisso.  Uma coisa importante para mim é que cada um seja seu próprio personagem na hora da filmagem.  É uma situação particular, porque atores como Catherine Deneuve e Benoît Magimel não necessitavam repetir muito as cenas, enquanto os pequenos precisavam.  Então, como sempre utilizei duas câmeras no escritório da juíza, era cansativo para mais experientes repetir as cenas.

 

 

Em sua filmografia, você comumente repetiu dobradinhas, como com a diretora Maïwenn e com a atriz Isild Le Besco.  Como funcionam essas parcerias?

É uma questão de períodos.  Isild foi como uma musa, todos os meus primeiros filmes fiz com ela.  Já Maïwenn me convidou para trabalhar com ela, deu certo e continuamos juntas.  Sou muito fiel às pessoas com quem trabalho.  Tive a sorte de trabalhar duas vezes com Deneuve.  É um privilégio para mim trabalhar com atores como Benoît Magimel e Sara Forestier.  Nós nos amamos e queremos continuar juntos.  Amo o cinema porque é um trabalho coletivo, há uma coisa de familiar em fazer cinema.  Trabalho sempre com  a mesma equipe técnica.  É um time que cria essa vontade de construir juntos.

 

 

O que significa para você o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes deste ano por Mon Roi?

Para mim os prêmios não significam nada.  É da minha natureza relativizar as coisas.  Não me acho a melhor porque me acharam boa.  Não acho que vai mudar tudo, que virei a melhor atriz do mundo, esse tipo de coisa.  Foi aquele júri específico que me deu esse prêmio, se fosse outro, talvez eu não tivesse sido escolhida.  Mas para mim foi incrível, fiquei feliz que personalidades como os irmãos Coen (Ethan e Joel Coen, cineastas americanos) e Xavier Dolan (diretor canadense), que são ídolos, tenham reconhecido meu trabalho.  Mas não mudará meu futuro, na verdade.

 

 

Quais são seus próximos projetos?

Como atriz, não tenho nenhum.  Como diretora, estou preparando um filme que vou rodar em outubro, sobre um caso que você não deve conhecer aqui no Brasil, mas que foi um grande escândalo na França, um escândalo sanitário.  É como uma espécie de Erin Brockovich francesa (filme dirigido por Steven Soderbergh sobre a história real de uma americana que denunciou a contaminação ambiental provocada por uma empresa de energia nos EUA).

 

 

Fonte:  ZeroHora/Roger Lerina (roger.lerina@zerohora.com.br) 27/09/2015