A ARTE DA PROVOCAÇÃO
THE SQUARE, filme sueco ganhador da Palma de Ouro em Cannes, satiriza temas como a arte contemporânea e o convívio social sobre as regras do politicamente correto.
Humor satírico que conduz THE SQUARE – A ARTE DA DISCÓRDIA é do tipo que anda no fio da navalha entre o riso solto e o riso nervoso típico daquela graça buscada no desconforto e no constrangimento que provoca – e, por isso, o que é divertido para uns pode ser ofensivo para outros. E é trafegando sobre essa delicada fronteira, regrada pelas cada vez mais discutidas diretrizes comportamentais do politicamente correto, que o diretor sueco Ruben Östlund colocou seu filme sob os holofotes a partir da consagração com a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2017.
Desde então, o longa, que já pode ser visto em Porto Alegre, vem somando prêmios e disputa com boas chances o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro – também está entre os nove pré-selecionados para o Oscar da categoria.
Foi uma premiação controversa em Cannes. Östlund subiu ao palco entre aplausos calorosos e alguns narizes torcidos diante do mais prestigiado festival de cinema do mundo ter preferido uma alegoria sobre um certo mal-estar social do mundo contemporâneo a títulos, digamos politicamente mais empenhados, como o francês 120 BATIMENTOS POR MINUTO, também em cartaz na Capital, o russo LOVELESS e o alemão EM PEDAÇOS, entre outros badalados naquela edição do evento.
THE SQUARE tem como protagonista Christian (Claes Bang), curador de um grande museu de arte contemporânea de Estocolmo. O título do filme faz referência à instalação de uma artista argentina que será a próxima atração do espaço. Trata-se de um quadrado riscado no piso, dentro do qual o espectador é estimulado a despertar sensações como confiança e solidariedade – o “curadorês” impenetrável aos leigos com o qual Christian apresenta o projeto e seu “conceito” é um dos alvos de Östlund, autor do roteiro. Mas por ser o tipo de piada mais óbvia, assim como a troca ao juízo de valor (ou pedantismo) que eleva o objeto banal à condição de obra de arte, o deboche fica numa primeira camada do filme. O epicentro do painel que o diretor ergue ao longo da narrativa é mais interessante.
Como mostrou no premiado e denso drama familiar FORÇA MAIOR (2014), Östlund é muito eficiente ao perscrutar a ebulição emocional de personagens em situações limite. E essas serão muitas a desafiar a frieza escandinava de Christian. O curador transita por uma Estocolmo, cidade tida como exemplo de civilidade, qualidade de vida e justiça social, que agora tem espalhados pelas ruas imigrantes que mendigam moedas e comida.
Um episódio faz Christian sair do prumo. Após ter o celular e a carteira roubados, ele planeja uma rocambolesca operação de resgate de seus pertences em uma imersão pelo submundo local. Pelo caminho, . Envolve-se com uma instável jornalista americana (Elizabeth Moss) e ganha a companhia das duas filhas pequenas que moram com a mãe. E tem coisa pior a encarar: a campanha para promover o tal quadrado sensorial é entregue a dois jovens “especialistas em redes sociais” empolgadíssimos com a criação de um vídeo para viralizar na internet. O resultado, percebe-se já no planejamento, será desastroso – e simbólico das ações e interações midiáticas que se entredevoram à margem do bom senso.
Östlund aperta o garrote do desconforto testando personagens e espectadores em sequências como a entrevista coletiva na qual um homem com problemas neurológicos grita palavrões que parecem sublinhar as justificativas de um artista para seu trabalho; ou a do jantar de gala que sai dos trilhos com a intervenção do ator fingindo ser um gorila. Seu recado parece claro: é preciso um certo esforço para manter a compostura e compreender um novo mundo no qual performance é tudo. Ou tudo é performance.
TRAILER: https://www.youtube.com/watch?v=d8nB0c69VNo
Fonte: Zero Hora/Segundo caderno em 05/01/2018
Por Marcelo Perrone — marcelo.perrone@zerohora.com.br