AOS PÉS DE VÊNUS
Um dos grandes nomes do cinema, Roman Polanski se aproximou do teatro em DEUS DA CARNIFICINA (2011). Deve ter gostado da experiência, pois A PELE DE VÊNUS, seu filme seguinte, deu mais um passo em direção ao palco. Literalmente: o 20º e mais recente longa do diretor franco-polonês, que estreia hoje nos cinemas brasileiros, foi rodado em apenas duas locações – os teatros Hébertot e Récamier, em Paris.
Há só dois personagens em cena: a sedutora atriz Vanda (Emmanuelle Seigner) e o acuado encenador Thomas (Mathieu Amalric). A dupla é inspirada nas figuras da novela Venus im Pelz, ou Venus in Furs, que o austríaco Leopold von Sacher-Masoch publicou em 1870 e se tornou um clássico definidor dos conceitos de dominação nas relações – vem do sobrenome do autor a expressão “masoquismo”. A abordagem de Polanski, no entanto, é inspirada na peça Venus in Fur, do norte-americano David Ives, que traz a afamada história de submissão de um homem diante de uma mulher para os bastidores de uma adaptação teatral da obra literária – na qual a atriz se confunde com a personagem feminina, e o diretor, com o personagem masculino.
Como na peça, o filme começa com o encenador reclamando que não consegue encontrar uma atriz para a sua montagem do clássico de Masoch. Até que entra em cena, triunfante, a musa do realizador de Repulsa ao Sexo (1965) e O Pianista (2002). Note a autoironia: Amalric é fisicamente muito parecido com Polanski, e Emmanuelle Seigner é sua mulher desde a época em que o cineasta a dirigiu em Busca Frenética (1988 e Lua de Fel (1992).
Aos poucos, a atriz domina o espaço cênico – e também o diretor teatral, que não apenas se vê convencido a utilizá-la no espetáculo, mas se enreda nas armadilhas do próprio texto, que recita junto a ela, inicialmente, para testá-la. O mestre filma sua estrela com devoção, mas mantém um distanciamento de alguns diálogos que o permite, ao mesmo tempo, explorar suas várias camadas de significação e brincar usando um humor ora inocente, ora sarcástico – algo marcante em Deus da Carnificina, lembra?
A imagem de um diretor aos pés de sua atriz é emblemática, mas não dá conta de resumir A PELE DE VÊNUS – que é um filme mais complexo do que a ideia de um longa em cenário único, com dois atores interagindo, pode sugerir. Há malícia e muita tensão sexual na trama, explorada a partir de um jogo de closes, planos e contraplanos que confere agilidade à ação. E deixa claro: Polanski pode ter se aproximado do teatro, mas explora, e bem, os recursos da linguagem cinematográfica. A PELE DE VÊNUS é mais, muito mais do que “teatro filmado”.
A PELE DE VÊNUS – De Roman Polanski – Drama, França, 2013, 97m.
Fonte: Jornal ZeroHora/Daniel Feix (Daniel.feix@zerozhora.com.br) 24/9/2015