A NATUREZA DA VINGANÇA
FAVORITO AO OSCAR, LEONARDO DICAPRIO ESTRELA “O REGRESSO”, FILME SOBRE UM EXPLORADOR ABANDONADO À PRÓPRIA SORTE.
DE ALEJANDRO GONZÁLEZ IÑÁRRITU – DRAMA/AVENTURA, EUA,2015, 156 MINUTOS.
A derrota em prêmios prévios como o do Sindicato dos Produtores (para a A Grande Aposta), termômetro mais confiável do Oscar nos últimos anos, tirou o favoritismo de O REGRESSO na maior premiação da indústria do entretenimento. Mas o filme de Alejandro González Iñárritu, recordista de indicações, com 12, estreia hoje como o mais aguardado da safra de títulos que chegam aos cinemas nas semanas anteriores à entrega dos troféus. É o mais espetaculoso entre os concorrentes nas principais categorias do Oscar 2016.
Há muita neve, muito frio, muito sangue e muito sofrimento em O REGRESSO. Iñárritu, que venceu o Oscar no ano passado com o maneirista Birdman, de nome mergulha em excessos para contar a história real de Hugh Glass, guia de expedições de caça que é abandonado pelos companheiros em um ambiente inóspito no extremo norte dos EUA de 1820. Quem pode tirar proveito dessa opção estética é Leonardo DiCaprio, que encarna o protagonista com uma pitada de cada um dos temperos que costumam satisfazer a obsessão dos votantes da Academia de Hollywood por performances eloquentes, grandiosas e, de preferência, marcadas pela transformação física. Ao que tudo indica, chegou a hora do ator de 41 anos receber a primeira estatueta.
Sua transformação propriamente dita se dá quando Glass quase é comido vivo por um urso, em uma das mais virulentas sequências do cinema recente. Antes, o grupo em que ele está foi atacado por índios, em outra cena impressionante, rodada em plano-sequência, e empurrado para a selva coberta de neve. O REGRESSO é um filme sobre o desafio da sobrevivência nesse ambiente, mas também uma clássica trama de vingança – do protagonista, que busca forças para resistir porque quer se vingar de John Fitzgerald (Tom Hardy, indicado ao Oscar de ator coadjuvante), parceiro que o abandonou e, mais do que isso, matou seu filho (Forrest Goodluck) quando este4 reagiu à tentativa de se livrar do “encosto” representado pelo colega ferido.
ALEGORIA DA DESARMONIA ENTRE HOMEM E NATUREZA.
Descendente de irlandeses, Glass (1780 – 1833) foi um explorador próximo das tribos locais. Falava o idioma pawnee, conhecia a região e, por isso, era requisitado a guiar expedições de caçadores, conforme já se contou em diversos livros, entre eles THE REVENANT, de Michael Punke, e no longa-metragem FÚRIA SELVAGEM (1971), de Richard Sarafian. O ato de abandoná-lo desencadeia em si uma questão ética entre os homens brancos, porém, o principal mérito de O REGRESSO é ir além.
Antes que o caos se estabelecesse entre eles, foi preciso que Glass se aproximasse da natureza e dos nativos e, depois, vendesse seu conhecimento aos exploradores. Estes, com seu comportamento sanguinário, interferiram no ambiente provocando reações – dos animais e dos indígenas locais.
Nessa alegoria da desarmonia entre o homem e natureza que é O REGRESSO, Iñárritu tomou partido: presta reverência ao meio ambiente com muitos planos abertos, nos quais invariavelmente usa lentes de grande angulação e imagens em contra-plongée (de baixo para cima) para ressaltar a pequenez das pessoas diante do que as cerca. A câmera sempre próxima, inclusive absorvendo gotas de neve e de sangue, é apenas um detalhe que visa a aumentar o choque do espectador – o que de fato acontece, veja e tire a prova.
Entre Terrence Malik (O NOVO MUNDO, A ÁRVORE DA VIDA) e AVATAR (de James Cameron), blockbuster de 2009 que trouxe a ecologia para a pauta de Hollywood, O REGRESSO é um projeto de libertação de Iñárritu, na medida em que BIRDMAN era um exemplar de cinema da claustrofobia, rodado quase sem cortes e no palco de um teatro. Pena que o cineasta mexicano, outrora conhecido pelos filmes corais (AMORES BRUTOS, BABEL), não tem mão firme para explorar a dor humana (vide o mais recente Biutiful). Tivesse uma direção menos histriônica, O REGRESSO poderia ser um filmaço.
Fonte: ZeroHora/Daniel Feix (Daniel.feix@zerohora.com.br) em 04/02/2016
“NEM SEI COMO FIZEMOS ESTE FILME”.
NAS FILMAGENS DE O REGRESSO, LEONARDO DI CAPRIO SOFREU POR SUA ARTE: ENTROU NA ÁGUA EM TEMPERATURA NEGATIVA, CARREGOU UMA PELE DE 45 QUILOS E COMEU FÍGADO CRU DE BISÃO. TUDO PARA ENCARNAR HUGH GLASS, GUIA DE UMA EXPEDIÇÃO DE CAÇA DE ANIMAIS E COMÉRCIO DE PELES NO INEXPLORADO E GELADO NORTE DOS ESTADOS UNIDOS, EM 1820.
NO FILME, SEU PERSONAGEM AINDA É ATACADO POR UM URSO – E ABANDONADO PARA MORRER POR JOHN FITZGERALD (TOM HARDY), O HOMEM QUE DEVERIA PROTEGÊ-LO. O LONGA FOI INTEIRAMENTE RODADO COM LUZ NATURAL E LEVOU NOVE MESES PARA SER COMPLETADO, TAMBÉM POR CONTA DE UMA ONDA DE CALOR NO CANADÁ QUE FEZ COM QUE PRECISASSE TER CENAS EXTRAS FILMADAS NA ARGENTINA.
DICAPRIO, QUE CONCORRE À QUINTA ESTATUETA COMO ATOR 9DISPUTOU AINDA COMO PRODUTOR POR O LOBO DE WALL STREET0, FINALMENTE ASSUMIU O POSTO DE FAVORITO A CONQUISTAR SEU PRIMEIRO PRÊMIO INDIVIDUAL NO MAIOR PRÊMIO DA INDÚSTRIA.
Você sempre está procurando personagens fortes. De onde vem isso?
Talvez da minha avó... (risos) Não havia muitas informações sobre Glass, só de onde era, que oi atacado por um urso e percorreu centenas de milhas de território sozinho para se vingar do homem que o prejudicou. Mas eu sabia que este filme ia ser mais do que isso. É o que o Alejandro (Iñárritu) trouxe ao projeto. No fim, a história é sobre essa perseverança em viver, o que há no espírito humano que nos faz querer sobreviver contra todas as probabilidades.
Iñárritu é famoso por colocar os atores em situações extremas. Conseguimos ver um lado novo seu, não?
Isso que era interessante para mim como ator. Quando li o roteiro, sabia que Alejandro ia fazer disso algo especial, que íamos passar pela mesma coisa que aqueles homens, íamos mergulhar na natureza. Ela se tornou um personagem. Nem sei como fizemos esse filme. E ainda tinha o desafio de trazer os espectadores para esse mundo sem ter ninguém com quem contracenar boa parte do tempo.
Em uma filmagem tão dura, dá para dizer que sua performance transcende o trabalho do ator?
Há muita interpretação envolvida. Mas a chave é fazer parecer que não há (risos). Claro que muito era reação. Nós planejamos cada tomada durante dois meses. Foi como uma experiência louca de teatro para conseguir uma única tomada todos os dias com a luz perfeita. Tivemos clima extremo. Não havia estúdio, estávamos expostos ao tempo. Como ator, jamais teria imaginado a paisagem a partir do roteiro. Então, estava sempre me reinventando e trabalhando com o diretor para tornar a experiência visceral para o público.
Mas, quando está tão frio e molhado de onde vem a energia para atuar?
Eu sentia muito frio, todos os dias. E o principal problema eram minhas mãos. Muitas das coisas que você vê no filme realmente aconteceram, tirando algumas cenas com os animais, porque era impossível fazer de oura maneira. Alejandro queria que fosse realmente uma experiência. Este filme para mim é como o neorrealismo, de muitas maneiras, mas estilisticamente feito com uma câmera voyeurística, dançando para dentro e para fora do drama, para dar espaço a essa paisagem impressionante.
Você sentiu que não ia dar para continuar?
Acho que todos sentimos. Em muitas ocasiões diferentes.
Você já atuou como produtor. Não pensa em dirigir?
Sim. Mas o problema é que esses cineastas são tão bons! (risos) A não ser que achasse uma história com a qual estivesse tão conectado que tivesse de fazer eu mesmo. Se não, prefiro persuadir um deles a trabalhar comigo... Porque fazer filmes é complicado.
Trailer de O REGRESSO em: https://www.youtube.com/watch?v=S4PpYv9n0ko
Fonte: ZeroHora/Mariane Morisawa/Estadão Conteúdo/Nova York em 04/02/2016