O BELO VERÃO DO FEMINISMO
DRAMA DE ÉPOCA FRANCÊS CONTA HISTÓRIA DE AMOR ENTRE DUAS MULHERES.
Vencedor do Grande Prêmio do Público no Festival de Locarno, o ótimo UM BELO VERÃO (2015) foi um dos destaques do recente Festival Varilux de Cinema Francês 2016. O filme da diretora e roteirista Catherine Corsini conta a história de amor entre duas mulheres no começo da década de 1970, em meio à efervescência dos movimentos sociais e da liberação sexual na França. Em UM BELO VERÃO, a jovem Delphine (a atriz, cantora e guitarrista de rock Izia Higelin), filha de fazendeiros, se cansa da vida provinciana e vai se aventurar em Paris. Lá, ela conhece Carole (Cécile de France, de filmes como BONECAS RUSSAS, ALÉM DA VIDA e O GAROTO BICICLETA), professora de espanhol e empolgada feminista que vive com um ativista de esquerda, Manuel (Benjamin Bellecour).
A afinidade entre as duas acaba se transformando em caso amoroso – Delphine é homossexual, Carole vive com ela se primeiro relacionamento afetivo com outra mulher. O retorno de Delphine ao interior para ajudar a mãe (Noémie Lvovsky), porém, obrigará o casal a confrontar suas identidades sexuais, suas ideias libertárias e sua paixão diante da sociedade e delas próprias.
Catherini Corsini, 60 anos, ficou conhecida no Brasil pelo filme PARTIR (2009), que tem grandes atuações de Krintin Scott Thomas, Sergí López e Yvan Attal. Neste ano, a cineasta foi presidente do júri para o prêmio Caméra d’Or no Festival de Cannes. Lésbica assumida, Catherine apoioi em 2007 a campanha presidencial de Ségolène Royal, candidata do Partido Socialista favorável à união civil entre pessoas do mesmo sexo e à adoção de crianças por casais homossexuais na França.
ENTREVISTA COM CATHERINE CORSINI / DIRETORA E ROTEIRISTA FRANCESA
Que tipo de pesquisa você fez para o filme?
Eu fui para o centro Audiovisual Simone de Beauvoir, o fundo feminista onde estão agrupadas as imagens dos movimentos feministas. Redescobri a documentação Carole Roussopoulos, uma das primeiras mulheres cineastas que deram voz às mulheres e filmou as manifestações feministas. Ela testemunhou o despertar das mulheres para o feminismo. Eu li, conheci algumas pioneiras do movimento. Tive a oportunidade de conhecer três meninas que colocaram uma coroa de flores sob o Arco do Triunfo para a esposa do soldado desconhecido. Elas tinham o seguinte slogan: “Quem é mais desconhecido do que o soldado desconhecido? Sua esposa”.
Os nomes das protagonistas são homenagens a Carole Roussopoulos e à atriz Delphine Seyrig?
Sim, é claro. São elas que fundaram o Centro Simone de Beauvoir em 1982 com Ioana Wieder. Como Virginia Woolf, que exigia uma sala própria, elas queriam uma câmera para si. Seyrig fez esse belo documentário SOIT BELLE ET TAIS-TOI (literalmente, “Seja bela e cale a boca”, filme de 1981 com entrevistas de atrizes falando sobre sua posição na indústria cinematográfica).
A reconstituição do filme situa a ação no tempo e no espaço, mas não se impõe ao ponto de deixar a história datada.
Eu suponho que você queira dizer que a história é universal e atemporal. As dificuldades de viver e assumir sua homossexualidade ainda podem ser muito grandes hoje. Mas a proibição era mais forte nos anos 1970, quando os homossexuais eram internados em clínicas e sua escolha sexual era considerada uma doença.
Como foi a escolha do elenco?
Cécile de France foi uma escolha óbvia. Mais difícil foi encontrar a jovem agricultora.
Como foi a direção das atrizes, especialmente Cécile e Izia?
Foi muito fácil com Cécile, mas complicado com Izia, por causa de cenas de nu e porque ela teve problemas para aceitar o papel de Delphine.
Você permitiu a improvisação das atrizes no filme?
Sim, mas elas não usaram muito isso. Nós ficamos muito perto do roteiro e dos diálogos. Ainda assim, Cécile abrir o vestido e sair correndo atrás das vacas meio despida foi uma ideia dela.
O filme não reduz os homens a meros antagonistas das mulheres. Fale sobre o personagem Manuel.
Eu queria que eles compartilhassem da dignidade e também do sofrimento de Manuel quando ele descobre que Carole ama uma mulher. Ele não acredita que é sério, então ele fica ciumento. Mas, naquela época, o ciúme era visto como um sentimento burguês. Então, ele diz a Carole: “Eu te amei porque você era uma mulher livre, e agora você submeteu-se ao pior do amor... Você o obedece submissamente. O que está acontecendo com você?”.
O filme mostra como as conquistas coletivas nem sempre são facilmente assimiláveis no nível individual?
O coletivo não dura, mas tem peso enquanto existe.
Você acha que as questões levantadas no filme sobre feminismo e homossexualidade são as mesmas atualmente?
Para muitos, sim.
A melancolia está sempre presente em suas histórias de amor. Por quê?
Sou uma nostálgica das coisas que eu não experimentei e imagino enormes, como o Maio de 68 e também o início do feminismo... Todo esse período dos anos 1970, rico em utopias, extremamente vivo e cheio de questões. Sinto-me triste por não ter participado disso. O cinema é a morte no trabalho: como não ser nostálgico quando você ama o cinema.
Há algo de autobiográfico no seu filme?
Estou em ambas as personagens. Na ousadia e no impedimento.
Quais são seus próximos projetos?
Me atirei na adaptação de um livro, o último romance de Christine Angot (polêmica escritora francesa, conhecida por seus livros de autoficção), chamado UM AMOUR IMPOSSIBLE (“UM AMOR IMPOSSÍVEL”, literalmente).
Fonte: Zero Hora/Roger Lerina (roger.lerina@zerohora.com.br) em 17 de julho de 2016.