QUEBRA-CABEÇA DA MEMÓRIA
ESTREIA DE EXILADOS DO VULCÃO MARCA RETOMADA DA PROGRAMAÇÃO DA SALA P.F.GASTAL DA USINA DO GASÔMETRO. LONGA FOI O VENCEDOR DO FESTIVAL DE BRASÍLIA.
Aberta parcialmente desde o início do ano (e só nos fins de semana a partir do começo de abril), a Sala P.F.Gastal retomou a programação regular ontem com a estreia de EXILADOS DO VULCÃO, primeiro longa ficcional da artista visual e documentarista Paula Gaitán, viúva do cineasta Glauber Rocha e diretora de DIÁRIO DE SINTRA (2007). Seu mais novo filme, que venceu o Festival de Brasília em 2013 mas só agora ganha estreia nacional, é uma livre adaptação do livro SOBRE A NEBLINA, de Christiane Tassis. Bem livre: o roteiro de Rodrigo de Oliveira quase não tem diálogos, apostando na força das imagens captadas pelo fotógrafo Inti Briones e no delicado desenho de som de Fábio Andrade (também responsável pela ótima montagem).
A narrativa não linear conta a história de uma mulher (Clara Choveaux) que, sofrendo a perda do homem que amava (Vicenzo Amato), decide percorrer seus passos recriando experiências indicadas por ele em um diário e em fotos que ela salvou de um incêndio. Nessa jornada de construção da memória, presente e passado se embaralham, resultando em alguns momentos de beleza arrebatadora, porém, em outros de reiteração e uma ambição poética que nem sempre encontra respaldo no que se vê na tela.
EXILADOS DO VULCÃO é um filme de metáforas (a começar pelo título), com apelo pop (as canções de Cat Power, Yeah Yeah Yeahs e Elza Soares) e um certo hermetismo, por conta, sobretudo, de seus excessos. Críticos já o compararam com PROFISSÃO: REPÓRTER (1975), de Antonioni, mas seu radicalismo formal faz com que a fruição se aproxime mais de outro tipo de filme – para ficar em um exemplo nacional, SUDOESTE (2011), de Eduardo Nunes, projeto de natureza e propósitos distintos, mas que também aborda o ciclo da vida a partir da materialização de reminiscências.
Trata-se de um quebra-cabeça da memória, que se formata como as lembranças surgem – difusas, esparsas, representadas pelas imagens enevoadas, vistas a partir da moldura das janelas ou através de véus e cortinas. O melhor do longa talvez seja o paradoxo que move a protagonista: ao mesmo tempo em que vive o “exílio do vulcão”, ela quer resgatar algo que se perdeu. É uma uga e, ao mesmo tempo, uma busca. Uma tentativa de encontro em meio ao desencontro.
A liberdade com que Paula Gaitán encadeia seus planos é mais comum no exercício da videoarte ou do cinema ensaístico, mas esse estilo aplicado à dramaturgia que segue uma linha mais lógica de acontecimentos, mesmo que em uma narrativa não linear, pode funcionar muito bem. É o caso em parte. As sequências finais são dignas de uma antologia da melhor produção nacional dos últimos anos, assim como outros momentos pontuais (quando a presença da protagonista se confunde com a da ex-amante vivida por Simone Spoladore). Pena que a narrativa se arraste demais, sem conseguir manter essa força do início ao fim de maneira regular.
Fonte: ZeroHora/Segundo Caderno/Daniel Feix (daniel.feix@zerohora.com.br) em 18 de maio de 2016.