MICHAEL CIMINO, UMA HISTÓRIA DE HOLLYWOOD
CINEASTA QUE MORREU NO SÁBADO AOS 77 ANOS, VIVEU ENTRE O CÉU E O INFERNO NA MECA DO CINEMA.
A história do cineasta Michael Cimino, morto no sábado, aos 77 anos, é geralmente resumida da seguinte maneira: o diretor nova-iorquino chegou um tantinho atrasado para a “festa” da geração Coppola-Scorsese-Friedkin, mas com a obra-prima de uma era (O FRANCO ATIRADOR, de 1978), que lhe rendeu os Oscar de melhor filme e direção e o contrato dos sonhos, para fazer aquele que seria um dos fracassos mais retumbantes de Hollywood (O PORTAL DO PARAÍSO, 1980). Dali por diante, nada mais funcionou para ele – e Cimino virou um realizador bissexto, que encerraria a carreira com apenas sete longas-metragens no currículo.
É tudo verdade, mas, como costuma ocorrer com os resumos mais apressados, capítulos importantes da história podem ter sido apagados para se alcançar a síntese mais acessível. Cimino sempre foi uma figura enigmática – imagem que ele próprio fez questão de passar ao público. Não desaprendeu a filmar, ainda que tenha inegavelmente sido abalado pelo desastre chamado O PORTYAL DO PARAÍSO, superprodução pouco vista que levou a produtora United Artists à falência e pôs a pá de cal no movimento conhecido como Nova Hollywood, que havia trazido o foco do chamado cinema de autor para os EUA após os movimentos revolucionários dos anos 1950 e 60 em países como Itália e França. Depois desse filme, os produtores voltaram a dar as cartas nos grandes estúdios, tomando o posto que na década de 1970 fora ocupado pelos diretores.
_ Tive rejeição suficiente por 33 anos – disse Cimino quando o Festival de Veneza relançou O PORTAL DO PARAÍSO em cópia restaurada e versão alongada, propondo uma revisão do épico em 2012. – Ser infame não foi nada divertido – completou o cineasta.
A versão de Cimino para a peça HORAS DE DESESPERO, de Joseph Hayes (lançada em 1996), foi prejulgada por grande parte da crítica. É outro dos títulos que seguem merecendo uma revisão, assim como O ANO DO DRAGÃO (1985) – ambos os filmes foram estrelados por Mickey Rourke, seu ator-fetiche que, curiosamente, assim como Cimino, cairia em desgraça após um momento de consagração em Hollywood.
A longa reclusão e as muitas intervenções no rosto (botox e cirurgias plásticas) colaboraram para que se criasse uma aura mística em torno do realizador – e para que se desvirtuasse ainda mais o debate em torno de seu trabalho. Foi pelo cinema que ele surgiu (como roteirista de MAGNUM 44, em 1973, e diretor de O ÚLTIMO GOLPE, em 1974, ambos estrelados por Clint Eastwood). Entretanto, não foi – somente – pelo cinema que ele sucumbiu.
O próprio O PORTAL DO PARAÍSO, épico sobre a luta dos barões do gado e colônias de imigrantes na “América profunda”, ganhou as manchetes por conta do estouro no orçamento e das filmagens turbulentas – quando estreou, com atraso, já estava condenado à impaciência dos donos das salas de cinema. É claro que um legado do tamanho de O FRANCO-ATIRADOR, um dos maiores filmes já feitos sobre o trauma da guerra (do Vietnã), é gigante. Mas Cimino não deixou mais.
Fonte: ZeroHora/Segundo Caderno/Daniel Feix (daniel.feix@zerohora.com.br) em 4 de julho de 2016.