SEJA QUAL FOR, O AMOR SEMPRE VENCE.
COM INDICAÇÕES AO OSCAR E AO BAFTA, “CAROL” É UM BOM FILME, MAS O ROTEIRO NÃO CAPTA O MELHOR DO LIVRO.
Do que é feito o amor? Como ele se manifesta? O que cria o fascínio de uma pessoa por outra? Algumas destas perguntas são respondidas pelo romance THE PRICE OF SALT, de Patricia Highsmith, que é em português chamado de CAROL (L&PM, em versões pocket e 14x21). Com um tema tabu, o relacionamento homossexual entre duas mulheres, o livro foi publicado em 1952 sob o pseudônimo de Claire Morgan.
O que me cabe aqui analisar é a adaptação feita por Phillis Nagy para o filme CAROL, de Todd Haynes. Primeiro, é preciso dizer que o filme é bom, aprofunda o amor que a tudo vence, o preconceito, a moralidade, com atuação primorosa de Cate Blanchett como a aristocrática e quase divorciada Carol Aird e o tom correto de Rooney Mara para recriar a Therese Belivet, a jovem que se encanta com Carol desde o encontro fortuito ao vender algo a ela, na loja de departamentos Frankenberg’s em Nova Iorque.
A adaptação comete alguns pecados em relação ao livro. Therese é cenógrafa e o seu namorado é artista plástico. No filme, ela é fotógrafa e Richard Semco é secundarizado. Therese lê James Joyce e ouve Stravinsky. O filme não aproveita este rosário de referências. Isto não compromete a obra cinematográfica que é bela, com uma recriação de época, o início dos anos 50, com requintes de primor. Até a entrada da tomada, a geladeira e os objetos das casas são meticulosamente cuidados. Mas há também a neve incessante das festas de fim de ano e aquele romantismo da NY pós-guerra, sempre vibrante. Billie Holiday, Eddie Fisher e Teddy Wilson estão na vitrola das amantes. Depois do encontro na loja, alguns telefonemas e a vontade mútua do reencontro. Carol chama Therese de anjo caído do céu.
O interessante tanto do livro como do filme é a discussão de que um atentado à moral podia levar Carol a ficar sem a guarda da filha Rindy, pois o ex-marido Harge coloca uma injunção contra ela, com cláusula de moralidade. O amor vence no filme e também no livro, não sem haver o sofrimento, o distanciamento, para que Therese cresça e que Carol se readapte à nova vida, vendo a filha com menos frequência.
A trilha sonora de Carter Burwell no filme auxilia o espectador a embarcar no amor quase impossível entre as duas. No livro, os personagens coadjuvantes, como Richard (que ama Therese sem ser correspondido), Harge, Abby ou Phil McElroy, têm a força necessária para dar o contraste que a trama precisa. Highsmith é uma artesã. Constrói a história em várias camadas. O roteiro do filme valoriza bem mais a história de amor em si. Os pequenos detalhes que unem as duas amantes. A viagem para o Oeste, um toque no ombro, os diversos olhares e o contraste entre a simplicidade de Therese e a sofisticação de Carol. Veja o filme, mas, principalmente, leia o livro.
Fonte: Correio do Povo-CS Caderno de Sábado/Luiz Gonzaga Lopes em 16 de janeiro de 2016.